quinta-feira, 18 de março de 2010

STJ - DEPOSITÁRIO INFIEL - PRECEDENTE DA SÚMULA

Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 914.253 - SP (2006/0283913-8)
RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROCURADOR : POTYGUARA GILDOASSU GRACIANO E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARJA ARTEFATOS TÉCNICOS DE BORRACHA LTDA
ADVOGADO : ANTÔNIO LUCAS GUIMARÃES
EMENTA
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL
REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO
CPC. DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA
COSTA RICA. EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45/2004.
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NOVEL
POSICIONAMENTO ADOTADO PELA SUPREMA CORTE.
1. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 7º, §
7º, vedou a prisão civil do depositário infiel, ressalvada a hipótese do
devedor de alimentos. Contudo, a jurisprudência pátria sempre
direcionou-se no sentido da constitucionalidade do art. 5º, LXVII, da
Carta de 1.988, o qual prevê expressamente a prisão do depositário
infiel. Isto em razão de o referido tratado internacional ter ingressado
em nosso ordenamento jurídico na qualidade de norma
infraconstitucional, porquanto, com a promulgação da constituição de
1.988, inadmissível o seu recebimento com força de emenda
constitucional. Nesse sentido confiram-se os seguintes julgados da
Suprema Corte: RE 253071 - GO, Relator Ministro MOREIRA
ALVES, Primeira Turma, DJ de 29 de junho de 2.006 e RE 206.482 -
SP, Relator Ministro MAURICIO CORRÊA, Tribunal Pleno, DJ de
05 de setembro de 2.003.
2. A edição da EC 45/2.004 acresceu ao art. 5º da CF/1.988 o § 3º,
dispondo que "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados , em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais" ,
inaugurando novo panorama nos acordos internacionais relativos a
direitos humanos em território nacional.
3. Deveras, "a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva do
pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José
da Costa Rica, (art, 7º, 7), ambos do ano de 1992, não há mais base
legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial
desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva
lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da
constituição, porém acima da legislação infraconstitucional com ele
conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. Assim
ocorreu com o art. 1.287 do Código civil de 1916 e com o
Decreto-Lei 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do novo
Código Civil (Lei 10.406/2002)." (voto proferido pelo Ministro
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GILMAR MENDES, na sessão de julgamento do Plenário da
Suprema Corte em 22 de novembro de 2.006, relativo ao Recurso
Extraordinário n.º 466.343 - SP, da relatoria do Ministro CEZAR
PELUSO).
4. A Constituição da República Federativa do Brasil, de índole
pós-positivista, e fundamento de todo o ordenamento jurídico,
expressa, como vontade popular, que a República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana como
instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade
justa e solidária.
5. O Pretório Excelso, realizando interpretação sistemática dos
direitos humanos fundamentais, promoveu considerável mudança
acerca do tema em foco, assegurando os valores supremos do texto
magno. O Órgão Pleno da Excelsa Corte, por ocasião do histórico
julgamento do Recurso Extraordinário n.º 466.343 - SP, Relator MIn.
Cezar Peluso, reconheceu que os tratados de direitos humanos têm
hierarquia superior à lei ordinária, ostentando status normativo
supralegal, o que significa dizer que toda lei antagônica às normas
emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é
destituída de validade, máxime em face do efeito paralisante dos
referidos tratados em relação às normas infra-legais autorizadoras da
custódia do depositário infiel. Isso significa dizer que, no plano
material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos
Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do
exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual
paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido contrário,
haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade.
6. No mesmo sentido, recentíssimo precedente do Supremo Tribunal
Federal, verbis:
"HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL -
REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619/STF - A QUESTÃO DA
INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) - NATUREZA
CONSTITUCIONAL OU CARÁTER DE SUPRALEGALIDADE DOS
TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS? -
PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA
DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL,
AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. - Não mais
subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por
infidelidade depositária, independentemente da modalidade de
depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se
de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes.
Revogação da Súmula 619/STF. TRATADOS INTERNACIONAIS DE
DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO
INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO
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HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em
matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos
básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno
brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF,
art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados
internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno
do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? -
Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui
hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de
direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO
INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. -
A questão dos processos informais de mutação constitucional e o
papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento
juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A
legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder
Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando
imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as
novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos
processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus
múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.
HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS
FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A
INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e
Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente
no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem
observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele
proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos
Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele
mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais
ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processo
hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que
tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se
acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair
a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações
constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos
indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a
sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da
pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à
alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do
Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico
de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser
humano. (HC 96772, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,
Segunda Turma, julgado em 09/06/2009, PUBLIC 21-08-2009
EMENT VOL-02370-04 PP-00811)
7. Precedentes do STJ: RHC 26.120/SP, Rel. Ministro MAURO
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CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
01/10/2009, DJe 15/10/2009; HC 139.812/RS, Rel. Ministro JOÃO
OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em
08/09/2009, DJe 14/09/2009; AgRg no Ag 1135369/SP, Rel. Ministro
ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em
18/08/2009, DJe 28/09/2009; RHC 25.071/RS, Rel. Ministro
VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO
DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe
14/10/2009; EDcl no REsp 755.479/RS, Rel. Ministra DENISE
ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe
11/05/2009; REsp 792.020/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 19/02/2009; HC
96.180/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,
julgado em 18/12/2008, DJe 09/02/2009)
8. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art.
543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da CORTE ESPECIAL
do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas
a seguir, Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Nilson Naves
acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, e os votos dos Srs. Ministros Fernando
Gonçalves, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Nancy Andrighi e Laurita
Vaz, no mesmo sentido, a Corte Especial, por unanimidade, conhecer do recurso especial,
mas lhe negar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros João
Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Luis Felipe Salomão, Mauro Cambpell Marques,
Nilson Naves, Fernando Gonçalves, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon,
Nancy Andrighi e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Francisco Falcão e Castro
Meira.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Gilson Dipp
e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.
Brasília (DF), 02 de dezembro de 2009(Data do Julgamento).
MINISTRO ARI PARGENDLER
Presidente
MINISTRO LUIZ FUX
Relator
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