sábado, 28 de setembro de 2013

LEI JOANNA MARANHÃO

Sancionada lei que altera a prescrição de crimes sexuais contra crianças e adolescentes


Lei Joanna Maranhão

A partir desta sexta-feira (18/05/2012), o prazo de prescrição dos crimes de abuso sexual, praticados contra crianças e adolescentes, só começará a ser contado a partir da data em que a vítima completar 18 anos, a não ser que já tenha sido proposta uma ação penal antes disso, pelo representante legal da vítima. Antes, a contagem do prazo de prescrição para a abertura de processo era calculada a partir da data do crime.

A Lei 12.650, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff e publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta sexta-feira, foi denominada Lei Joanna Maranhão, em homenagem à nadadora que denunciou seu treinador por abuso sexual sofrido quando criança.

Para a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário Nunes, a sanção dessa lei representa mais uma grande conquista do Brasil, no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. "Essa conquista nos fortalece para continuar lutando. É preciso proteger a menina que hoje é mulher e só agora teve a coragem de denunciar", disse a ministra, durante evento na Câmara dos Deputados, alusivo ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, neste dia 18 de maio.

Segundo a ministra, as políticas públicas que visam erradicar a pobreza, implantada nos últimos governos, contribuíram também para a luta pela erradicação da exploração sexual de menores no país. "Nos dias atuais, nós consolidamos no Brasil condições de inclusão das crianças brasileiras que nos permitem afastá-las completamente da pobreza e violência sexual. A violência sexual não é mais fruto do perverso mercado motivado pela pobreza da criança", enfatizou a ministra.

 

Disque 100

As denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes representam 22% das chamadas recebidas pelo Disque Direitos Humanos, o Disque 100, no período de janeiro a abril de 2012. O balanço do Dique 100 foi divulgado nesta sexta-feira, pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Nos primeiros quatro meses de 2012, houve 9.827 denúncias de abuso e exploração, registradas pelo Disque 100. O aumento na capacidade de atendimento - que passou a ser realizado 24h por dia, todos os dias da semana, inclusive domingos e feriados - e a ampla divulgação do canal de denúncias, trouxeram um salto no número de denúncias registradas.

O serviço é uma das principais ações de combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, destinado a receber demandas relativas a violações de Direitos Humanos, especialmente às que atingem grupos sociais vulneráveis.

Segundo a ministra Maria do Rosário, o serviço é um instrumento da sociedade civil, porque a proteção integral das crianças e dos adolescentes exige ação de todos, com responsabilidade compartilhada. "Que possamos garantir respeito pleno às nossas crianças e adolescentes e que possamos fazer com que em cada canto do Brasil as pessoas se indignem. Nós acreditamos nas crianças. Acreditamos que elas não mentem e precisam ser escutadas com os ouvidos e com a intuição. Se suspeita que haja algo errado com alguma criança, a sociedade deve denunciar", enfatiza.

Portal Planalto
21/05/2012 às 07h40

 

[Fonte: Portal Planalto]

LEI Nº 12.650. DE 17 DE MAIO DE 2012

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

 


 

Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, com a finalidade de modificar as regras relativas à prescrição dos crimes praticados contra crianças e adolescentes.

 

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

 

Art. 1º  O art. 111 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso V:

“Art.111.  .......................................................................................................................

.....................................................................................................................................

V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.” (NR)

 

Art. 2º  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Brasília, 17 de maio de 2012; 191º da Independência e 124º da República.

 

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Maria do Rosário Nunes

Este texto não substitui o publicado no DOU de 18.5.2012

 

  

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

LEI Nº 11.719, DE 20 DE JUNHO DE 2008 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, RELATIVOS À SUSPENSÃO DO PROCESSO, EMENDATIO LIBELLI, MUTATIO LIBELLI E AOS PROCEDIMENTOS


Mensagem de veto Vigência
Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os arts. 63, 257, 265, 362, 363, 366, 383, 384, 387, 394 a 405, 531 a 538 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passam a vigorar com a seguinte redação, acrescentando-se o art. 396-A:

“Art. 63. ......................................................................
Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.” (NR)
Art. 257. Ao Ministério Público cabe:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código; e
II - fiscalizar a execução da lei.” (NR)
“Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
§ 1o A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer.
§ 2o Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato.” (NR)
Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
Parágrafo único. Completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo.” (NR)
Art. 363. O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado.
I - (revogado);
II - (revogado).
§ 1o Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por edital.
§ 2o (VETADO)
§ 3o (VETADO)
§ 4o Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o processo observará o disposto nos arts. 394 e seguintes deste Código.” (NR)
“Art. 366. (VETADO)
§ 1o (Revogado).
§ 2o (Revogado).” (NR)
Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
§ 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
§ 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.” (NR)
Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.
§ 1o Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código.
§ 2o Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.
§ 3o Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e 2o do art. 383 ao caput deste artigo.
§ 4o Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.
§ 5o Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.” (NR)
“Art. 387. ..........................................................................
......................................................................................................
II - mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - aplicará as penas de acordo com essas conclusões;
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;
........................................................................................................
Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.” (NR)
Art. 394. O procedimento será comum ou especial.
§ 1o O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo:
I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;
II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;
III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei.
§ 2o Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial.
§ 3o Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código.
§ 4o As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.
§ 5o Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.” (NR)
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
Parágrafo único. (Revogado).” (NR)
Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.” (NR)
Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.
§ 1o A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código.
§ 2o Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.”
Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;
II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou
IV - extinta a punibilidade do agente.” (NR)
“Art. 398. (Revogado).” (NR)
Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.
§ 1o O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação.
§ 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.” (NR)
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
§ 1o As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
§ 2o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes.” (NR)
Art. 401. Na instrução poderão ser inquiridas até 8 (oito) testemunhas arroladas pela acusação e 8 (oito) pela defesa.
§ 1o Nesse número não se compreendem as que não prestem compromisso e as referidas.
§ 2o A parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código.” (NR)
Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.” (NR)
Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.
§ 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.
§ 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação desse, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.
§ 3o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença.” (NR)
Art. 404. Ordenado diligência considerada imprescindível, de ofício ou a requerimento da parte, a audiência será concluída sem as alegações finais.
Parágrafo único. Realizada, em seguida, a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suas alegações finais, por memorial, e, no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença.” (NR)
Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos.
§ 1o Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.
§ 2o No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.” (NR)
Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.” (NR)
Art. 532. Na instrução, poderão ser inquiridas até 5 (cinco) testemunhas arroladas pela acusação e 5 (cinco) pela defesa.” (NR)
Art. 533. Aplica-se ao procedimento sumário o disposto nos parágrafos do art. 400 deste Código.
§ 1o (Revogado).
§ 2o (Revogado).
§ 3o (Revogado).
§ 4o (Revogado).” (NR)
Art. 534. As alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.
§ 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.
§ 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.” (NR)
Art. 535. Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.
§ 1o (Revogado).
§ 2o (Revogado).” (NR)
Art. 536. A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no art. 531 deste Código.” (NR)
“Art. 537. (Revogado).” (NR)
Art. 538. Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando o juizado especial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para a adoção de outro procedimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto neste Capítulo.
§ 1o (Revogado).
§ 2o (Revogado).
§ 3o (Revogado).
§ 4o (Revogado).” (NR)

Art. 2o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação.


Brasília, 20 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro

Este texto não substitui o publicado no DOU de 23.6.2008












quinta-feira, 19 de setembro de 2013

LEI Nº 10.674, DE 16 DE MAIO DE 2003 - GLÚTEN - DOENÇA CELÍACA

Mensagem de vetoObriga a que os produtos alimentícios comercializados informem sobre a presença de glúten, como medida preventiva e de controle da doença celíaca.
        O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
        Art. 1o Todos os alimentos industrializados deverão conter em seu rótulo e bula, obrigatoriamente, as inscrições "contém Glúten" ou "não contém Glúten", conforme o caso.
        § 1o A advertência deve ser impressa nos rótulos e embalagens dos produtos respectivos assim como em cartazes e materiais de divulgação em caracteres com destaque, nítidos e de fácil leitura.
        § 2o As indústrias alimentícias ligadas ao setor terão o prazo de um ano, a contar da publicação desta Lei, para tomar as medidas necessárias ao seu cumprimento.
        Art. 2o (VETADO)
        Art. 3o (VETADO)
        Art. 4o A Lei no 8.543, de 23 de dezembro de 1992, continuará a produzir efeitos até o término do prazo de que trata o § 2o do art. 1o desta Lei. (Incluído pela Lei nº 10.700, de 9.7.2003)
        Brasília, 16 de maio de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Humberto Sérgio Costa Lima
Marcio Fortes de Almeida
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 19.5.2003

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

EMBARGOS INFRINGENTES VOTO - MINISTRO CELSO DE MELLO

18/09/2013 PLENÁRIO

AÇÃO PENAL 470 MINAS GERAIS
V O T O

(s/ admissibilidade dos embargos infringentes)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O encerramento da

sessão do dia 12 de setembro, quintafeira, independentemente da causa que o

motivou, teve, para mim, Senhor Presidente, um efeito virtuoso, pois me

permitiu aprofundar, ainda mais, a minha convicção em torno do litígio

ora em exame e que por mim fora exposta no voto que redigira – e que já

se achava pronto – para ser proferido na semana passada.

Impõese registrar, ainda, Senhor Presidente, um significativo

evento na nossa história constitucional vinculado, por uma feliz coincidência

de datas, a este julgamento, pois, como se sabe, há exatos 67 (sessenta e sete)

anos, precisamente no dia 18 de setembro de 1946, também uma

quartafeira, foi promulgada, na cidade do Rio de Janeiro, então Capital

Federal, a Constituição de 1946, que restaurou a liberdade em nosso País e

que dissolveu a ordem autocrática fundada no regime político do Estado

Novo, que considerava culpados, desde logo, os réus meramente acusados

de determinados delitos, fazendo recair sobre eles, em preceito compatível

com a índole ditatorial do modelo então instituído, o ônus de comprovar a

própria inocência (Decretolei nº 88, de 20/12/1937, art. 20, n. 5).

Em consequência desse significativo evento, o Supremo Tribunal

Federal, logo após esse ato de promulgação, reuniuse para a sua primeira

sessão de julgamento, agora sob a égide de uma ordem qualificada, no

plano políticojurídico, pelo signo da legitimidade democrática.


1
Na ocasião, o Ministro JOSÉ LINHARES, então Presidente do

Supremo Tribunal Federal, assim se pronunciou, saudando, em nome

desta Corte Suprema, o surgimento de um novo tempo:

Antes de mais nada sejam as minhas primeiras palavras




de congratulações com os ilustres colegas pela promulgação da

nova Constituição, fato que vem de assinalar um marco destacado

na vida jurídica do País.

Depois de termos atravessado uma longa estrada



sombria, de indecisões e incertezas de um período ditatorial, é com

grande alegria que o país readquire o seu poder de Nação livre

regido por normas puramente democráticas.

…............................................................................................

Só a ordem jurídica constrói e fortalece as instituições



sem o que a vida e os direitos de cada um ficam à mercê da

vontade ou do arbítrio de quem por acaso detém o poder.

A hora presente é de regozijo nacional, principalmente



para a Justiça com o restabelecimento de sua autoridade e

independência tão necessárias ao exercício da sua nobre missão.

A Carta Magna foi promulgada sob a proteção de Deus e



com ela confio em que possamos, no cumprimento do dever

sagrado, interpretála e dar execução aos seus preceitos sob a
inspiração dos sentimentos da mais pura justiça.” (grifei)

Notese, portanto, Senhor Presidente, a observação com que o



eminentíssimo antecessor de Vossa Excelência na Presidência do Supremo

Tribunal Federal, o Ministro JOSÉ LINHARES, enfatizou a importância e o

alto significado da supremacia do Direito, da “rule of law”, na prática

jurisdicional desta Corte e no respeito incondicional às liberdades



fundamentais.

Essencial, por isso mesmo, Senhor Presidente, que esta Suprema Corte

sempre observe, em relação a qualquer acusado, independentemente do

crime a ele atribuído e qualquer que seja a sua condição política, social,

funcional ou econômica, os parâmetros jurídicos que regem, em nosso


2
sistema legal, os procedimentos de índole penal, garantindo às partes, de

modo pleno, o direito a um julgamento justo, imparcial, impessoal, isento e



independente.

Atento a tais ponderações, ressalto que a profunda divisão do

Supremo Tribunal Federal no exame da matéria ora em análise põe em

evidência, ainda mais por se tratar de processo penal de índole

condenatória, a altíssima relevância da questão jurídica em julgamento,

especialmente se considerarmos, como efetivamente considero, a densidade e

a excelência dos votos – de todos os votos proferidos pelos eminentes



Juízes desta Corte Suprema.

Não desconheço, por isso mesmo, a imensa responsabilidade que me

incumbe, como Juiz do Supremo Tribunal Federal, na definição da



controvérsia ora em análise.

Sabemos todos, Senhor Presidente, que a Constituição da República

de 1988, passados quase 25 anos de sua promulgação, atribuiu ao

Supremo Tribunal Federal um papel de imenso relevo no aperfeiçoamento

das instituições democráticas e na afirmação dos princípios sob cuja égide

floresce o espírito virtuoso que anima e informa a ideia de República.

O novo Estado constitucional brasileiro, fundado em bases

genuinamente democráticas e plenamente legitimado pelo consenso dos

governados, concebeu a Suprema Corte de nosso País – que sempre se

caracterizou como solo historicamente fértil em que germinou e se

desenvolveu a semente da liberdade – como verdadeiro espaço de defesa e

proteção das franquias individuais e coletivas, além de representar, em sua

atuação institucional como órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional, um

veto permanente e severo ao abuso de autoridade, à corrupção do poder, à

prepotência dos governantes e ao desvio e deformação da ideia de Estado



democrático de Direito.

Se é certo, portanto, Senhor Presidente, que esta Suprema Corte

constitui, por excelência, um espaço de proteção e defesa das liberdades


3
fundamentais, não é menos exato que os julgamentos do Supremo

Tribunal Federal, para que sejam imparciais, isentos e independentes, não

podem exporse a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor

popular e da pressão das multidões, sob pena de completa subversão do regime

constitucional dos direitos e garantias individuais e de aniquilação de

inestimáveis prerrogativas essenciais que a ordem jurídica assegura a qualquer

réu mediante instauração, em juízo, do devido processo penal.

A questão da legitimidade do Poder Judiciário e do exercício

independente da atividade jurisdicional foi bem analisada em brilhante



artigo da lavra do eminente Juiz Federal PAULO MÁRIO CANABARRO

T. NETO, que examinou o tema na perspectiva das manifestações

populares e da opinião pública, sustentando, com razão, que “a legitimidade


do Poder Judiciário não repousa na coincidência das decisões judiciais com a

vontade de maiorias contingentes, mas na aplicação do direito sob critérios de
correção jurídica, conforme as regras do discurso racional” (grifei).

Assim como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem

entendido qualificarse como abusiva e ilegal a utilização do clamor público

como fundamento da prisão preventiva (RTJ 112/1115 – RTJ 172/159 –

RTJ 180/262264 – RTJ 187/933934 – RTJ 193/1050, v.g.), esse ilustre

magistrado federal, no trabalho que venho de referir, também põe em

destaque o aspecto relevantíssimo de que o processo decisório deve

ocorrer em “ambiente institucional que valorize a racionalidade jurídica”,

acentuando, ainda, com apoio no magistério de ROBERT ALEXY

(“Constitucionalismo Discursivo”, p. 163, 2007, Livraria do Advogado), o

que se segue:

A questão da legitimidade do Poder Judiciário surge sempre



que se pergunta sobre o alcance da norma constitucional expressa no

enunciado de que ‘todo poder emana do povo, que o exerce por meio de

seus representantes eleitos ou diretamente’ (art. 1º, parágrafo único).
Se o poder judicial não é exercido pelo povo ‘diretamente’, nem por

meio de ‘representantes eleitos’, impõese investigar o que torna


justificável a aceitação das decisões dos juízes por parte da cidadania.
A única possibilidade de conciliar a jurisdição com a


4
democracia consiste em compreendêla também como representação do

povo. Não se trata, obviamente, de um mandato outorgado por meio

do sufrágio popular, mas de uma representação ideal que se dá no

plano discursivo, é dizer, uma representação argumentativa’.

Essa representação argumentativa é exercida não no campo das


escolhas políticas – cujas deliberações versam (predominantemente)
sobre o que é bom, conveniente ou oportuno –, mas no campo da

aplicação do direito, sob as regras do discurso racional por meio do
qual se sustenta e se declara o que é correto, válido ou devido.” (grifei)

O que mais importa, neste julgamento sobre a admissibilidade dos

embargos infringentes, é a preservação do compromisso institucional desta

Corte Suprema com o respeito incondicional às diretrizes que pautam o

devido processo penale que compõem, por efeito de sua natural vocação

protetiva, o próprio estatuto constitucional do direito de defesa”, que

representa, no contexto de sua evolução histórica, uma prerrogativa

inestimável de que ninguém pode ser privado, ainda que se revele

antagônico o sentimento da coletividade!

O dever de proteção das liberdades fundamentais dos réus, de

qualquer réu, representa encargo constitucional de que este Supremo

Tribunal Federal não pode demitirse, mesmo que o clamor popular se

manifeste contrariamente, sob pena de frustração de conquistas históricas

que culminaram, após séculos de lutas e reivindicações do próprio povo,

na consagração de que o processo penal traduz instrumento garantidor de

que a reação do Estado à prática criminosa jamais poderá constituir reação

instintiva, arbitrária, injusta ou irracional.

Na realidade, a resposta do poder público ao fenômeno criminoso,

resposta essa que não pode manifestarse de modo cego e instintivo, há de

ser uma reação pautada por regras que viabilizem a instauração, perante

juízes isentos, imparciais e independentes, de um processo que neutralize

as paixões exacerbadas das multidões, em ordem a que prevaleça, no

âmbito de qualquer persecução penal movida pelo Estado, aquela velha (e



clássica) definição aristotélica de que o Direito há de ser compreendido em

sua dimensão racional, da razão desprovida de paixão!


5
Nesse sentido, o processo penal representa uma fundamental

garantia instrumental de qualquer réu, em cujo favor – é o que impõe a

própria Constituição da República – devem ser assegurados todos os

meios e recursos inerentes à defesa, sob pena de nulidade radical dos atos



de persecução estatal.

O processo penal figura, desse modo, como exigência constitucional

(“nulla poena sine judicio”) destinada a limitar e a impor contenção à

vontade do Estado e à de qualquer outro protagonista formalmente alheio



à própria causa penal.

O processo penal e os Tribunais, nesse contexto, são, por excelência,

espaços institucionalizados de defesa e proteção dos réus contra

eventuais excessos da maioria, ao menos, Senhor Presidente, enquanto

este Supremo Tribunal Federal, sempre fiel e atento aos postulados que

regem a ordem democrática, puder julgar, de modo independente e imune a

indevidas pressões externas, as causas submetidas ao seu exame e decisão.

É por isso que o tema da preservação e do reconhecimento dos



direitos fundamentais daqueles que sofrem persecução penal por parte do

Estado deve compor, por tratarse de questão impregnada do mais alto

relevo, a agenda permanente desta Corte Suprema, incumbida, por efeito de

sua destinação institucional, de velar pela supremacia da Constituição e

de zelar pelo respeito aos direitos que encontram fundamento legitimador

no próprio estatuto constitucional e nas leis da República.

Com efeito, a necessidade de outorgarse, em nosso sistema jurídico,

proteção judicial efetiva à cláusula do “due process of lawqualificase, na

verdade, como fundamento imprescindível à plena legitimação material do



Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto, e jamais deixando de reconhecer que todos os cidadãos

da República têm direito à livre expressão de suas ideias e pensamentos,


6
tornase necessário advertir que, sem prejuízo da ampla liberdade de

crítica que a todos é garantida por nosso ordenamento jurídiconormativo,

os julgamentos do Poder Judiciário, proferidos em ambiente de serenidade,

não podem deixarse contaminar, qualquer que seja o sentido pretendido, por

juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião pública que

objetivem condicionar o pronunciamento de magistrados e Tribunais,

pois, se tal pudesse ocorrer, estarseia a negar, a qualquer acusado em

processos criminais, o direito fundamental a um julgamento justo, o que

constituiria manifesta ofensa não só ao que proclama a própria

Constituição, mas, também, ao que garantem os tratados internacionais de

direitos humanos subscritos pelo Brasil ou aos quais o Brasil aderiu.

De outro lado, Senhor Presidente, não constitui demasia rememorar

antiga advertência, que ainda guarda permanente atualidade, de JOÃO

MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, ilustre Professor das Arcadas e eminente

Juiz deste Supremo Tribunal Federal (“O Processo Criminal Brasileiro”,

vol. I/8, 1911), no sentido de que a persecução penal, que se rege por

estritos padrões normativos, traduz atividade necessariamente subordinada a

limitações de ordem jurídica, tanto de natureza legal quanto de ordem

constitucional, que restringem o poder do Estado, a significar, desse modo,

tal como enfatiza aquele Mestre da Faculdade de Direito do Largo de São

Francisco, que o processo penal só pode ser concebido – e assim deve ser

visto – como instrumento de salvaguarda da liberdade jurídica do réu.

É por essa razão que o processo penal condenatório não constitui

instrumento de arbítrio do Estado. Ao contrário, ele representa poderoso

meio de contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos

incumbidos da persecução penal. Não exagero ao ressaltar a decisiva

importância do processo penal no contexto das liberdades públicas, pois

insistase – o Estado, ao delinear um círculo de proteção em torno da

pessoa do réu, faz do processo penal um instrumento que inibe a opressão

judicial e o abuso de poder.

Daí, Senhor Presidente, a corretíssima observação do eminente

Professor ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias Individuais

no Processo Penal Brasileiro”, p. 33/35, item n. 1.4, 2ª ed., 2004, RT), no


7
sentido de que o processo penal há de ser analisado em sua precípua

condição de “instrumento de preservação da liberdade jurídica do acusado em

geral”, tal como entende, também em preciso magistério, o Professor HÉLIO

TORNAGHI (“Instituições de Processo Penal”, vol. 1/75, 2ª ed., 1977,

Saraiva), cuja lição bem destaca a função tutelar do processo penal:

A lei processual protege os que são acusados da


prática de infrações penais, impondo normas que devem ser

seguidas nos processos contra eles instaurados e impedindo que
eles sejam entregues ao arbítrio das autoridades processantes.

(grifei)

Nesse contexto, Senhor Presidente, é de registrarse e acentuarse – o

decisivo papel que desempenha, no âmbito do processo penal

condenatório, a garantia constitucional do devido processo legal, cuja fiel

observância condiciona a legitimidade jurídica dos atos e resoluções

emanados do Estado e, em particular, das decisões de seu Poder Judiciário.

O magistério da doutrina, por sua vez, ao examinar a garantia

constitucional do “due process of law”, nela identifica, no que se refere ao seu

conteúdo material, alguns elementos essenciais à sua própria

configuração, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância,

as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao

Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da

acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações

indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à

autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado

com base em leis “ex post facto”; (f) direito à igualdade entre as partes;

(g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas

de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à

observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio

contra a autoincriminação); (l) direito à prova; e (m) direito ao recurso.

se, daí, na abordagem tradicional do tema, que o direito ao recurso

qualificase como prerrogativa jurídica intimamente vinculada ao direito do


8
interessado à observância e ao respeito, pelo Poder Público, da fórmula

inerente ao “due process of law”, consoante adverte expressivo magistério

doutrinário (ROGÉRIO SCHIETTI MACHADO CRUZ, “Garantias

Processuais nos Recursos Criminais”, p. 48/50, item n. 1.5, 2002, Atlas;

VICENTE GRECO FILHO, “Tutela Constitucional das Liberdades”,

p. 110, 1989, Saraiva; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Princípios

Constitucionais Penais e Processuais Penais”, p. 364/366, item n. 2.1.1,

2010, RT; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Direito e Garantias Individuais

no Processo Penal Brasileiro”, p. 71/74, 2ª ed., 2004, RT, v.g.), valendo

observar, ainda, que alguns autores situam o direito de recorrer na

perspectiva da Convenção Americana de Direitos Humanos, como o faz

GERALDO PRADO (“Duplo Grau de Jurisdição no Processo Penal




Brasileiro: Visão a partir da Convenção Americana de Direitos Humanos


em homenagem às ideias de Julio B. J. Maier” “in” “Direito Processual

Penal: Uma visão garantista”, p. 105/119, 2001, Lumen Juris), ou, até

mesmo, invocam, como suporte dessa prerrogativa fundamental, o Pacto



Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a que o Brasil aderiu em 1992

(ANDRÉ NICOLITT, “Manual de Processo Penal”, p. 42/44, item n. 3.7.5,



2ª ed., 2010, Campus Jurídico).

Esses, portanto, Senhor Presidente, são o contexto normativo e as

premissas que orientarão o meu voto a ser proferido em torno da

controvérsia pertinente à subsistência, ou não, dos embargos infringentes

nos processos penais originários instaurados perante esta Corte, na forma

instituída e regulada no inciso I do art. 333 do Regimento Interno do



Supremo Tribunal Federal.

Entendo, bem por isso, Senhor Presidente, assentadas as premissas

que venho de referir, mostrarse de fundamental importância

proclamar, sempre, que nada se perde quando se respeitam e se cumprem as

leis e a Constituição da República, pois, como não se pode desconhecer, tudo

se tem a perder quando a Constituição e as leis são transgredidas e

desconsideradas por qualquer dos Poderes do Estado.


9
Antes de pronunciarme, Senhor Presidente, sobre a questão pertinente

à admissibilidade, ou não, dos embargos infringentes, entendo necessário

relembrar, até mesmo para o específico efeito de explicitar o alcance do

julgamento que se está a realizar, que a teoria geral dos recursos, ao tratar

da utilização do sistema recursal, destaca a existência de 02 (dois)

momentos distintos referentes a qualquer recurso (ordinário ou



extraordinário) que venha a ser interposto.

No contexto dessa ordem ritual, o primeiro momento a ser

considerado impõe ao Poder Judiciário a formulação de um juízo prévio

(positivo ou negativo) de admissibilidade da espécie recursal utilizada, que

constitui, precisamente, a fase que ora se examina neste caso. Prematuro

discutir, por isso mesmo, neste primeiro momento, o mérito subjacente ao

recurso em questão. Uma vez admitido (e conhecido, portanto) o recurso

interposto, será ele, então, submetido a regular processamento, para,

alcançada a segunda fase, poder o Tribunal examinarlhe o pedido

central, ou seja, apreciar o mérito da causa.

Tornase claro, desse modo, que o juízo de mérito sobre a acusação

criminal (a ocorrer somente em momento ulterior) nada tem a ver, na

presente fase processual, com o juízo (meramente preliminar) de



admissibilidade do recurso.

Somente após superado, positivamente, esse estágio inicial, em que se

analisam, tão somente, os pressupostos recursais (objetivos e subjetivos), é

que se examinará, uma vez ouvida a parte contrária (o Ministério Público,

no caso), o fundo da controvérsia penal, vale dizer, o próprio mérito do



recurso!

O Supremo Tribunal Federal, neste instante, ainda se acha no

primeiro momento, ou seja, ainda examina se o recurso interposto é

cabível ou não! Essa, pois, é a questão a ser resolvida.

Sob tal perspectiva, e adstringindome ao contexto normativo ora em

exame, tenho para mim, Senhor Presidente, na linha do voto que proferi,


10
em 02/08/2012, no julgamento de questão de ordem que havia sido então

suscitada pelo eminente Revisor desta causa, que ainda subsistem, no

âmbito do Supremo Tribunal Federal, nas ações penais originárias, os

embargos infringentes a que se refere o art. 333, inciso I, do Regimento

Interno desta Corte, que não sofreu, no ponto, derrogação tácita ou

indireta em decorrência da superveniente edição da Lei nº 8.038/90, que se

limitou a dispor sobre normas meramente procedimentais concernentes às

causas penais originárias, indicandolhes a ordem ritual e regendoas até

o encerramento da instrução probatória, inclusive, para, a partir daí,

submeter o julgamento ao domínio regimental, abstendose, no entanto,

em silêncio eloquente, típico de lacunas normativas conscientes, voluntárias ou

intencionais (NORBERTO BOBBIO, “Teoria do Ordenamento Jurídico”,

p. 144, 1989, Polis/Ed.UnB), de regular o sistema de recursos internos

extensamente disciplinado em sede regimental.

Ao reconhecer a viabilidade jurídicoprocessual de utilização, nesta

Suprema Corte, dos embargos infringentes em matéria processual penal,

salientei que a garantia da proteção judicial efetiva achase assegurada, nos

processos penais originários instaurados perante o Supremo Tribunal

Federal, não só pela observância da cláusula do “due process of law” (com

todos os consectários que dela decorrem), mas, também, pela possibilidade

que o art. 333, inciso I, do RISTF enseja aos réus, sempre que o juízo de

condenação penal apresentarse majoritário.

Referime, então, no voto por mim proferido, à previsão regimental de

utilização, nos processos penais originários instaurados perante o Supremo

Tribunal Federal, dos “embargos infringentes”, privativos do réu, porque

somente por este oponíveis a decisão “não unânime” do Plenário que tenha

julgado procedente a ação penal”.

Cabe registrar, no ponto, que a norma inscrita no art. 333, n. I, do

RISTF, embora formalmente regimental, qualificase como prescrição de

caráter materialmente legislativo, eis que editada pelo Supremo Tribunal

Federal com base em poder normativo primário que lhe foi

expressamente conferido pela Carta Política de 1969 (art. 119, § 3º, “c”).


11
É preciso ter presente que a norma regimental em questão, institutiva

de espécie recursal nominada, embora veiculasse matéria de natureza

processual, revelavase legítima em face do que dispunha, então, o

art. 119, § 3º, “c”, da Carta Federal de 1969 (correspondente, na Carta

Política de 1967, ao art. 115, parágrafo único, alínea “c”), que outorgava ao

Supremo Tribunal Federal, como já anteriormente mencionado, poder

normativo primário, conferindolhe atribuição para, em sede meramente

regimental, dispor sobre “o processo e o julgamento dos feitos de sua

competência originária ou recursal (...)” (grifei).

se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, no regime

constitucional anterior, dispunha, excepcionalmente, de competência para

estabelecer, ele próprio, normas de direito processual em seu regimento

interno, não obstante fosse vedado aos demais Tribunais judiciários o

exercício dessa mesma prerrogativa, cuja prática considerado o sistema

institucional de divisão de poderes – incumbia, exclusivamente, ao Poder

Legislativo da União (RTJ 54/183 – RTJ 69/138, v.g.).

Essa excepcional competência normativa primária permitiu ao

Supremo Tribunal Federal prescrever, em sede formalmente regimental,

normas de caráter materialmente legislativo (RTJ 190/1084, v.g.),

legitimandose, em consequência, a edição de regras como aquela

consubstanciada no art. 333, inciso I, do RISTF.

Com a superveniência da Constituição promulgada em 1988, o

Supremo Tribunal Federal perdeu essa extraordinária atribuição

normativa, passando a submeterse, como os demais Tribunais judiciários,

em matéria processual, ao domínio normativo da lei em sentido formal (CF,

art. 96, I, “a”).

Em virtude desse novo contexto jurídico, essencialmente fundado na

Constituição da República (1988) – que não reeditou regra com o mesmo


12
conteúdo daquele preceito inscrito no art. 119, § 3º, “c”, da Carta Política

de 1969 –, veio o Congresso Nacional, mesmo tratandose de causas

sujeitas à competência do Supremo Tribunal Federal, a dispor, uma vez

mais, em plenitude, do poder que historicamente sempre lhe coube, qual

seja, o de legislar, amplamente, sobre normas de direito processual.

E foi precisamente no exercício dessa atribuição constitucional que o

Congresso Nacional editou, com inteira validade, diplomas legislativos

como aqueles consubstanciados, por exemplo, na Lei nº 8.038/90, na

Lei nº 8.950/94 e, também, na Lei nº 9.756/98, posto que cessara, “pleno

jure”, com o advento da Constituição de 1988, a excepcional competência

normativa primária que permitira a esta Suprema Corte, sob a égide da

Carta Política de 1969 (art. 119, § 3º, “c”), prescrever normas de direito

processual relativamente às causas incluídas em sua esfera de



competência.

Não se trata, portanto, de discutir se a prescrição regimental

revestese de maior eficácia, ou não, que a regra legal no plano hierárquico

normativo, porque essa matéria há de ser analisada em função do que

estabelece a Constituição, que claramente separa e distingue dois domínios:

o da lei e o do regimento interno dos Tribunais. Vale dizer, há que se

examinar o tema à luz de dois critérios: o da reserva constitucional de lei, de

um lado, e o da reserva constitucional de regimento, de outro.



O eminente Ministro PAULO BROSSARD, em um de seus luminosos

votos proferidos neste Tribunal (ADI 1.105MC/DF), bem equacionou o

problema resultante da tensão normativa entre a regra legal e o preceito

regimental, chamando a atenção para o fato – juridicamente relevante – de

que a existência, a validade e a eficácia de tais espécies normativas hão de

resultar do que dispuser o próprio texto constitucional:

Em verdade, não se trata de saber se a lei prevalece sobre o


regimento ou o regimento sobre a lei. Dependendo da matéria

regulada, a prevalência será do regimento ou da lei (JOSÉ CELSO DE


MELLO FILHO, Constituição Federal Anotada, 1986, p. 368;

13
RMS 14.287, ac. 14.VI.66, relator Ministro PEDRO CHAVES,

RDA 87193; RE 67.328, ac. 15.X.69, relator Ministro AMARAL

SANTOS, RTJ 54183; RE 72.094, ac. 6.XII.73, relator ANTONIO

NEDER, RTJ 69138). A dificuldade surge no momento de fixar as

divisas entre o que compete ao legislador disciplinar e o que

incumbe ao tribunal dispor. O deslinde não se faz por uma linha reta,

nítida e firme de alto a baixo; há zonas cinzentas e entrâncias e

reentrâncias a revelar que, em matéria de competência, se verificam

situações que lembram os pontos divisórios do mundo animal e


vegetal. (…).
O certo é que cada Poder tem a posse privativa de


determinadas áreas. (…).
Alegase que a matéria é processual e por lei há de ser

regulada. A assertiva envolve um círculo vicioso: se como certo o

que devia ser demonstrado. A recíproca é verdadeira. Também não


basta afirmar que o assunto é regimental para que seja regulado pelos
tribunais, com exclusão do legislador. No caso vertente, cuidase de


saber se estava na competência do legislador interferir no ato do

julgamento ou se a Constituição o reservou ao Poder Judiciário,

mediante norma regimental. Esta a questão.
A propósito, vale reproduzir esta passagem de JOSÉ


FREDERICO MARQUES,

‘A votação dos regimentos internos é um dos
elementos da independência do Poder Judiciário, diz

PONTES DE MIRANDA, ‘porque, se assim não


acontecesse, poderiam os legisladores, com a aparência de

reorganizar a justiça, alterar a ordem dos julgamentos e
atingir a vida interna dos tribunais’. (…) O Supremo

Tribunal Federal, em julgamento memorável, firmou

essa diretriz, fulminando de inconstitucional a Lei nº

2.790, de 24 de novembro de 1956, que reformava o art.

875 do Código de Proc. Civil, para admitir que as partes

interviessem no julgamento depois de proferido o voto

do relator. Como disse, na ocasião, o ministro EDGAR

COSTA, a citada lei contrariava frontalmente ‘a


própria autonomia interna dos tribunais, no que diz

respeito à sua competência privativa para estabelecer as

14
normas a seguir na marcha dos seus trabalhos, através dos

seus regimentos, que, por preceito constitucional (art. 97,

nº II), lhes cabe, livre da interferência de outros poderes’.

(…).’

….....................................................................................................
Insisto no que me parece fundamental. A questão não está



em saber se o regimento contraria a lei ou se esta prevalece

sobre aquele; a questão está em saber se, dispondo como dispôs, o

legislador podia fazêlo, isto é, se exercitava competência legítima

ou se, ao contrário, invadia competência constitucionalmente

reservada aos tribunais; da mesma forma, o cerne da questão está em


saber se o Judiciário, no exercício de sua competência legislativa, se

houve nos seus limites ou se os excedeu.” (grifei)

Em suma, Senhor Presidente, é a própria Constituição que delimita o

campo de incidência da atividade legislativa, vedando ao Congresso

Nacional a edição de normas que visem a disciplinar matéria que a

Constituição reservou, com exclusividade, à competência normativa dos



Tribunais.

Foi por tal razão que o Supremo Tribunal Federal, em face dessa

precisa delimitação material de competências normativas resultante da

discriminação constitucional de atribuições, julgou inconstitucionais

regras legais que transgrediram a cláusula de reserva constitucional de

regimento, por permitirem, p. ex., a sustentação oral, nos Tribunais, após o

voto do Relator (ADI 1.105/DF), em julgamento que se apoiou em antigo



precedente desta Corte, que declarara a inconstitucionalidade,

em 30/11/56, da Lei federal nº 2.970, de 24/11/56 (“Lei Castilho Cabral”).

Na realidade, a reserva constitucional de regimento transforma o texto

regimental em verdadeira “sedes materiaeno que concerne aos temas

sujeitos ao exclusivo poder de regulação normativa dos Tribunais.

Essa posição jurídica do regimento interno na veiculação



instrumental das matérias sujeitas ao estrito domínio normativo dos

Tribunais foi bem ressaltada por THEMÍSTOCLES BRANDÃO


15
CAVALCANTI, que, enfatizando a impossibilidade de ingerência do Poder

Legislativo no regramento dessas mesmas questões, observou que os

órgãos do Judiciário, ao editarem os seus regimentos internos, “exercem




uma função legislativa assegurada pela Constituição, restritiva da função exercida


pelo Poder Legislativo” (“A Constituição Federal Comentada”, vol. II/312,



1948, Konfino).

A mesma visão doutrinária do tema é compartilhada por JOSÉ

FREDERICO MARQUES (“Nove Ensaios Jurídicos”, p. 83/84, 1975, Lex

Editora), que, em texto monográfico intitulado “Dos Regimentos

Internos dos Tribunais”, observa:

É que, tirando da própria Lei Maior a sua força de regra


imperativa, o regimento não está vinculado à lei formal naquilo


que constitua objeto da vida interna do Tribunal. No campo do ‘ius

scriptum’, tanto a lei como o cânon regimental ocupam a mesma

posição hierárquica. A lei não se sobrepõe ao regimento naquilo que a

este cumpre disciplinar: ‘ratione materiae’ é que a Lei e o Regimento se

distinguem, no plano das fontes formais do Direito Objetivo.

…...................................................................................................

Como bem explica o ministro MÁRIO GUIMARÃES, o
regimento interno, que ʹé a lei interna do Tribunalʹ, tem por escopo

regular ʹo que ocorre e se processa portas a dentroʹ, tal como se dá com

os regulamentos do Poder Legislativo. Por isso mesmo, os tribunais


ʹpodem legislar sobre a organização de seu trabalho, pois que
essa é matéria regimentalʹ. E conclui:


‘Não há dizer que a lei prevalece sobre o regimento. Lei e

regimento têm órbitas distintas. Dentro de suas áreas respectivas,

soberanos o são, respectivamente, o Legislativo e o Judiciário.’

(grifei)

Da mesma forma, esta Suprema Corte, ao julgar a

Representação nº 1.092/DF, Rel. Min. DJACI FALCÃO, declarou

inconstitucionais determinadas prescrições constantes do Regimento

Interno do Tribunal Federal de Recursos, por entender que a

instituição, por aquela Corte judiciária, do instrumento processual da


16
Reclamação, viabilizada em sede meramente regimental, ofendia a cláusula da

reserva constitucional de lei formal (RTJ 112/504567).

A norma inscrita no art. 333, inciso I, do RISTF, contudo, embora

impregnada de natureza formalmente regimental, ostenta, desde a sua

edição, como precedentemente por mim enfatizado, o caráter de prescrição

materialmente legislativa, considerada a regra constante do art. 119, § 3º, “c”,



da Carta Federal de 1969.

Com a superveniência da Constituição de 1988, o art. 333, n. I, do

RISTF foi recebido, pela nova ordem constitucional, com força, valor, eficácia

e autoridade de lei, o que permite conformálo à exigência fundada no

postulado da reserva de lei.

Não se pode desconhecer, neste ponto, que se registrou, na espécie,

com o advento da Constituição de 1988, a recepção, por esse novo estatuto

político, do mencionado preceito regimental, veiculador de norma de

direito processual, que passou, a partir da vigência da nova Lei

Fundamental da República, como já assinalado, a ostentar força, valor, eficácia

e autoridade de norma legal, consoante tem proclamado a jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal (RTJ 147/1010, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI –

RTJ 151/278 279 , Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 190/1084, Rel. Min.



CELSO DE MELLO).

O fenômeno da recepção, bem o sabemos, assegura a preservação do

ordenamento infraconstitucional existente antes da vigência do novo texto

fundamental, desde que com este guarde relação de estrita fidelidade no

plano jurídicomaterial, em ordem a garantir a prevalência da continuidade

do direito, pois, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal, “a




Constituição, por si só, não prejudica a vigência das leis anteriores (...), desde que


não conflitantes com o texto constitucional (…)” (RTJ 71/289293).

Esta Suprema Corte, fazendo aplicação do mecanismo da recepção,

proclamou permanecerem válidas e eficazes as regras ordinárias

anteriores à Constituição, “desde que não contrastantes com os seus princípios


17
e normas, ou com o seu espírito” (RTJ 77/657659).

É certo que falece, agora, ao Supremo Tribunal Federal o poder de

derrogar normas regimentais veiculadoras de conteúdo processual, pois

estas porque consubstanciadoras de prescrições materialmente

legislativas – somente poderão ser alteradas mediante lei em sentido formal,

observado, em sua elaboração, o devido processo legislativo, tal como

disciplinado no texto da vigente Constituição da República.

Não foi por outra razão que o então Presidente Fernando Henrique

Cardoso, acolhendo Exposição de Motivos subscrita pelo Ministro da

Justiça Iris Rezende e pelo MinistroChefe da Casa Civil da Presidência da

República Clovis Carvalho, encaminhou, pela Mensagem nº 43/98, projeto

de lei ao Congresso Nacional, propondo alterações legislativas no Código

de Processo Civil, na Consolidação das Leis do Trabalho e na

Lei nº 8.038/90.

Uma das propostas veiculadas em referido projeto de lei (que

tomou o nº 4.070/98 na Câmara dos Deputados) consistia na pretendida

abolição, pura e simples, dos embargos infringentes em todas as hipóteses

previstas no art. 333 do RISTF, como decorria do art. 7º de mencionada

proposição legislativa, que possuía o seguinte teor:

Art. 7º Acrescentamse à Lei nº 8.038, de 1990, os seguintes


artigos, renumerandose os subseqüentes:

Art. 43. Não cabem embargos infringentes contra
decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal.” (grifei)

As razões subjacentes ao projeto de lei em questão, invocadas pela

Presidência da República para justificar a proposta de extinção dos

embargos infringentes contra acórdãos do Plenário do Supremo Tribunal

Federal, foram assim explicitadas pelos Ministros de Estado subscritores



da Exposição de Motivos:

Seguindo na mesma esteira de desafogamento dos órgãos de


18
cúpula do Poder Judiciário, o acréscimo de novo art. 43 à

Lei nº 8.038/90 visa à redução dos embargos infringentes no


âmbito do Supremo Tribunal Federal, uma vez que as matérias que são

levadas ao Plenário já são de tal relevância, que os debates verificados

para a fixação de posicionamento da Corte raramente ensejariam a

revisão de posturas por parte daqueles que já se pronunciaram a favor
ou contra as teses veiculadas em recursos ou ações apreciadas em
Plenário.” (grifei)

Essa proposta do Poder Executivo da União, contudo, não foi

acolhida pela Câmara dos Deputados, que se apoiou, para rejeitar a

pretendida extinção dos embargos infringentes no Supremo Tribunal

Federal, nas razões apresentadas, “em voto em separado”, pelo então

Deputado Federal Jarbas Lima, que assim justificou a manutenção dos

embargos infringentes no sistema recursal validamente instituído por esta



Suprema Corte no art. 333 de seu Regimento Interno:

5 Sugerese, por fim, a supressão da proposta de criação


do art. 43 na Lei nº 8.038/90, constante no artigo 3º do substitutivo.

Isso porque a possibilidade de embargos infringentes contra

decisão não unânime do plenário do STF constitui importante canal

para a reafirmação ou modificação do entendimento sobre temas

constitucionais, além dos demais para os quais esse recurso é

previsto. Percebase que, de acordo com o Regimento Interno da

Suprema Corte (artigo 333, par. único), são necessários no mínimo

quatro votos divergentes para viabilizar os embargos. Se a

controvérsia estabelecida tem tamanho vulto, é relevante que se



oportunize novo julgamento para a rediscussão do tema e a

fixação de um entendimento definitivo, que depois dificilmente

chegará a ser revisto. Eventual alteração na composição do

Supremo Tribunal no interregno poderá influir no resultado afinal

verificado, que também poderá ser modificado por argumentos

ainda não considerados ou até por circunstâncias conjunturais

relevantes que se tenham feito sentir entre os dois momentos. Não se



afigura oportuno fechar a última porta para o debate judiciário


de assuntos da mais alta relevância para a vida nacional.

(grifei)


19
É importante assinalar que esse entendimento foi aprovado pelo

Plenário da Câmara dos Deputados, que assim rejeitou a pretendida

abolição dos embargos infringentes no âmbito do Supremo Tribunal Federal,

em votação que teve o apoio dos Líderes do PSDB, do PMDB, do PT, do PTB,

do PPS, do PPB e do PFL.

O Senado Federal, por sua vez, aprovou o texto oriundo da Câmara

dos Deputados, fazendoo com pequenas alterações, que sequer cuidaram

do tema pertinente à abolição dos embargos infringentes.

Em decorrência da aprovação bicameral da proposição legislativa

referida, resultou promulgada, mediante sanção presidencial, a Lei nº 9.756,

de 17/12/98, que Dispõe sobre o processamento de recursos no âmbito dos

tribunais”.

se, portanto, que a questão pertinente aos embargos infringentes

no âmbito do Supremo Tribunal Federal constitui, agora, sob a égide da

vigente Constituição, matéria que se submete, por inteiro, à cláusula de

reserva constitucional de lei formal, cabendo ao Poder Legislativo, por

tratarse de típica questão de política legislativa, a adoção de medidas que

eventualmente possam resultar, até mesmo, na supressão definitiva dos



embargos infringentes no âmbito interno do Supremo Tribunal Federal.

Matéria de lege ferenda”, portanto!

Tais observações, contudo, não descaracterizam a legitimidade

constitucional da norma inscrita no art. 333, I, do RISTF, pois, como

anteriormente enfatizado, essa prescrição normativa foi recepcionada pela

vigente ordem constitucional (RTJ 147/1010 – RTJ 151/278279 –

RTJ 190/1084, v.g.), que lhe atribuiu força e autoridade de lei,

viabilizandolhe, desse modo, a integral aplicabilidade por esta Suprema



Corte.

É por isso que entendo, não obstante a superveniente edição da

Lei nº 8.038/90, que ainda subsiste, com força de lei, a regra


20
consubstanciada no art. 333, I, do RISTF, plenamente compatível com a

nova ordem ritual estabelecida para os processos penais originários

instaurados perante o Supremo Tribunal Federal.

O fato, Senhor Presidente, é que não se presume a revogação tácita das

leis, especialmente se se considerar que não incide, no caso ora em exame,

qualquer das hipóteses configuradoras de revogação das espécies

normativas, na forma descrita no § 1º do art. 2º da Lei de Introdução às



Normas do Direito Brasileiro.

Com efeito, a regulação normativa veiculada no novo estatuto

legislativo não abrangeu a totalidade da disciplina inerente ao processo

penal originário no Supremo Tribunal Federal, mesmo porque a

Lei nº 8.038/90, ao instituir normas procedimentais para os processos que

específica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal”,

limitouse, no plano da persecução penal originária, a dispor sobre a ordem

ritual do respectivo procedimento até a conclusão da fase de instrução

probatória (art. 12), relegando ao domínio regimental a normação concernente



ao próprio julgamento da causa penal.

Na realidade, o diploma legislativo em questão, embora pudesse

fazêlo, abstevese de disciplinar o sistema recursal interno do Supremo

Tribunal Federal, o que representou, na perspectiva do § 1º do art. 2º da

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a preservação do

conteúdo eficacial da regra inscrita no inciso I do art. 333 do RISTF.

Esse silêncio do texto legal, tal como a ele me referi em passagem anterior

deste voto, não é de ser equiparado a uma lacuna normativa involuntária (ou

inconsciente), assim entendida aquela que decorre “de um descuido do

legislador” (NORBERTO BOBBIO, “Teoria do Ordenamento Jurídico”,

p. 144, 1989, Polis/Ed.UnB). Ao contrário, tratase de típica lacuna intencional

(ou voluntária) do legislador ordinário, que, embora tendo presente a

realidade normativa emergente do novo modelo constitucional, quis,

conscientemente, deixar de regular a questão pertinente aos embargos

infringentes, por entender desnecessário desarticular o sistema integrado


21
de recursos fundado, validamente, no próprio Regimento Interno do



Supremo Tribunal Federal.

Ao assim proceder, deixando de disciplinar, inteiramente, a matéria

tratada no Regimento Interno desta Corte, o legislador não deu causa a

uma situação de revogação tácita, implícita ou indireta do inciso I do art. 333

do diploma regimental, eis que insistase – essa modalidade de

revogação somente ocorre em 02 (duas) hipóteses: (a) quando a lei

posterior for totalmente incompatível com a espécie normativa anterior e

(b) quando a nova lei regular, inteiramente, a matéria de que tratava a



legislação anterior.

Esse entendimento foi exposto, de maneira clara, pelo eminente

Ministro HAMILTON CARVALHIDO, que integrou o E. Superior

Tribunal de Justiça, e que, ao discorrer sobre o tema, acentuou que a

Lei nº 8.038/90 não extinguiu os embargos infringentes previstos no art. 333,

inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Eis, no ponto, a valiosa lição desse eminente magistrado e antigo



Chefe do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro:

Cuidase de norma regimental, que reproduz norma


regimental anterior, e antecedeu à Constituição de 1988, com a

qual se harmoniza plenamente, em especial com a sua

disciplina dos direitos fundamentais, fazendose indiscutível a

sua recepção pela nova ordem constitucional. E foi

recepcionada como norma materialmente legislativa, eis

que editada pelo Supremo Tribunal Federal no exercício da

competência para disciplinar o processo e o julgamento dos feitos

de sua competência originária ou de recurso, que lhe foi

atribuída, com exclusividade, pela Emenda Constitucional 1, de



1969.

….............................................................................................

A questão, enquanto pura de Direito, não se submete a




critérios outros que não os que se pode extrair da Lei de



22
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que, no seu

artigo 2º, parágrafo 1º, preceitua a revogação da lei anterior pela



posterior, quando a lei nova expressamente o declare; quando seja

com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de

que tratava a lei anterior (Decreto Lei 4.657, de 4 de setembro de



1942).

Sendo essa a lei de regência do conflito de normas no

tempo, a solução da questão é a da declaração positiva da

vigência da norma regimental anterior, qual seja, a do



cabimento dos embargos infringentes do acusado contra acórdão

do Pleno do Supremo Tribunal Federal, quando condenatório e

assentado por maioria contra, no mínimo, quatro votos

divergentes.

É que a Lei 8.038/90 não revogou expressamente o


artigo 333, inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal

Federal; nada dispõe em contrário à norma regimental e não

disciplina inteiramente nem o processo da ação penal

originária, nem taxativamente os recursos da competência do



Excelso Pretório.

Com efeito, primeiro, a Lei 8.038/90, no seu artigo 44,

revogou expressamente apenas os artigos 541 a 546 do Código



de Processo Civil de 1973, e a Lei 3.396, de 2 de junho de 1958,

referentes os primeiros aos recursos extraordinários e especial e a

última aos artigos 863 e 864 do Código de Processo Civil de 1939

e 622 a 636 do Código de Processo Penal. Segundo, quanto ao

Supremo Tribunal Federal e aos recursos da sua competência,

apenas disciplinou o recurso extraordinário, assim nada

dispondo em contrário ao artigo 333, inciso I, do Regimento

Interno do Supremo Tribunal Federal. Por fim, tratou tão

somente da fase de conhecimento do processo da ação penal

originária e o fez não completamente, pois que também se



remete ao Regimento do Tribunal, com vistas à disciplina do

julgamento da causa.

Não é diverso o entendimento do Supremo Tribunal


Federal, como exsurge, por todos, do voto condutor do
23
acórdão no Agravo Regimental nos Embargos Infringentes no

Habeas Corpus 77.664/SP, da lavra do ilustre ministro Carlos

Velloso, relator, ‘verbis’: ‘no Supremo Tribunal Federal, os

embargos infringentes são cabíveis da decisão não unânime do

Plenário (…), que julgar procedente a ação penal (…),

sendo certo que, tratandose de decisão do plenário, o

cabimento dos embargos infringentes depende da existência,

no mínimo, de quatro votos divergentes (RI/STF, art. 333, e



seu Parágrafo Único)’.

É de se afirmar, portanto, a vigência da norma regimental

que prevê os embargos infringentes como recurso oponível a



acórdão condenatório não unânime, do Pleno do Supremo

Tribunal Federal, com divergência de pelo menos quatro votos.

Tratase, como convém averbar em remate, o artigo 333,

inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, de

norma do devido processo legal, garantia individual,

titularizada por todos os membros da Sociedade Civil, de

observância absoluta, pena de irreparável ofensa ao Pacto

Social ele mesmo. A exceção, que o atinja, jamais será

individual ou particular, mas, por força de natureza, coletiva e

geral, gravíssima e permanente, enquanto ofensa aos direitos

fundamentais, com comprometimento intenso da sua
efetividade.” (grifei)

Enfatizese, portanto, e no que concerne aos embargos infringentes –

cuja base normativa reside no art. 333, n. I, do RISTF –, que não se

registrou, presente o próprio conteúdo da Lei nº 8.038/90, hipótese de

incompatibilidade ou situação de inteira regulação normativa da matéria, o

que torna absolutamente inaplicável ao caso ora em exame a regra

inscrita no art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Subsiste, portanto, íntegra a regra consubstanciada no inciso I do

art. 333 do RISTF, considerada a circunstância – juridicamente relevante – de

que a Lei nº 8.038/90 não operou, no contexto mais amplo dos processos penais

originários instaurados perante esta Suprema Corte, revogação global ou


24
sistêmica da matéria.

E, como se sabe, quando tal ocorre, passam a coexistir, em relação de

plena harmonia jurídica, diplomas normativos impregnados de conteúdo

temático próprio, valendo rememorar a lição do eminente Professor

ALFREDO BUZAID (“Estudos de Direito”, vol. I/200201, item n. 18, 1972,

Saraiva), saudoso Ministro desta Suprema Corte que, ao examinar o

sentido da cláusula constitucional que deferiu, em 1967/1969, poder

normativo primário ao Supremo Tribunal Federal em matéria processual,

enfatizou, com a reconhecida autoridade de haver sido um dos mais

brilhantes jurisconsultos deste País, que referida atribuição legitimava a

instituição, por este Tribunal, em sede regimental, de recursos pertinentes



às matérias sujeitas à sua competência:

O Supremo Tribunal Federal legisla, nas matérias de sua


competência, através do regimento interno’. (…). Este preceito

outorgou ao Supremo Tribunal Federal a atribuição privativa para

estabelecer o processo e o julgamento, bem como os recursos nos

casos de sua competência originária (…). Em uma palavra, o
regimento tem o valor de lei.” (grifei)

De outro lado, há a considerar, ainda, um outro aspecto que tenho por

pertinente no exame da controvérsia ora em julgamento e que se refere ao

fato de que a regra consubstanciada no art. 333, inciso I, do RISTF busca

permitir, ainda que de modo incompleto, a concretização, no âmbito do

Supremo Tribunal Federal, no contexto das causas penais originárias, do

postulado do duplo reexame, que visaria amparar o direito consagrado na

própria Convenção Americana de Direitos Humanos, na medida em que

realiza, embora insuficientemente, a cláusula convencional da proteção

judicial efetiva (Pacto de São José da Costa Rica, Art. 8º, n. 2, alínea h”).

A adoção do critério do duplo reexame nos julgamentos penais

condenatórios realizados pelo Supremo Tribunal Federal, possibilitando a

utilização dos embargos infringentes na hipótese singular prevista no

art. 333, inciso I, do RISTF, permitirá alcançar solução, não obstante

limitada, nos casos em que o Supremo Tribunal Federal, atuando


25
originariamente como instância judiciária única, proferir, por votação

majoritária, julgamentos penais desfavoráveis ao réu.

Na realidade, não se pode deixar de reconhecer que os embargos

infringentes, tais como instituídos no inciso I do art. 333 do RISTF,

mostramse insuficientes à plena realização de um direito fundamental

assegurado pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 8º,

n. 2, “h”) e que consiste na prerrogativa jurídicoprocessual de o

condenado “recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior”.

Esse direito ao duplo grau de jurisdição, consoante adverte a Corte

Interamericana de Direitos Humanos, é também invocável mesmo nas

hipóteses de condenações penais em decorrência de prerrogativa de foro,

decretadas, em sede originária, por Cortes Supremas de Justiça estruturadas



no âmbito dos Estados integrantes do sistema interamericano que hajam

formalmente reconhecido, como obrigatória, a competência da Corte

Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à



interpretação ou aplicação do Pacto de São José da Costa Rica.

Não custa relembrar que o Brasil, apoiandose em soberana deliberação,

submeteuse à jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos

Humanos, o que significa considerado o formal reconhecimento da

obrigatoriedade de observância e respeito da competência da Corte

(Decreto nº 4.463/2002) – que o Estado brasileiro comprometeuse, por

efeito de sua própria vontade políticojurídica, “a cumprir a decisão da Corte

em todo casode que é parte (Pacto de São José da Costa Rica, Artigo 68).

Pacta sunt servanda...

Com efeito, o Brasil, no final do segundo mandato do Presidente

Fernando Henrique Cardoso (Decreto nº 4.463, de 08/11/2002), reconheceu

como obrigatórias a jurisdição e a competência da Corte Interamericana de

Direitos Humanos, “em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação

desta Convenção” (Pacto de São José da Costa Rica, Artigo 62), o que

legitima o exercício, por esse importante organismo judiciário de âmbito

regional, do controle de convencionalidade, vale dizer, da adequação e


26
observância, por parte dos Estados nacionais que voluntariamente se

submeteram, como o Brasil, à jurisdição contenciosa da Corte



Interamericana, dos princípios, direitos e garantias fundamentais

assegurados e proclamados, no contexto do sistema interamericano, pela



Convenção Americana de Direitos Humanos.

É importante ter presente, no ponto, o magistério, sempre autorizado,

dos eminentes Professores LUIZ FLÁVIO GOMES e VALERIO DE

OLIVEIRA MAZZUOLI, cuja lição, no tema, a propósito do duplo grau de

jurisdição no sistema interamericano de direitos humanos, notadamente após a

Sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no

caso Barreto Leiva vs. Venezuela, vale rememorar:

As duas exceções ao direito ao duplo grau, que vêm sendo


reconhecidas no âmbito dos órgãos jurisdicionais europeus

[europeus!], são as seguintes: (a) caso de condenação imposta em

razão de recurso contra sentença absolutória; (b) condenação

imposta pelo tribunal máximo do país. ([1]) Mas a sistemática do

direito e da jurisprudência interamericana é distinta.

Diferentemente do que se passa com o sistema europeu, vem o

sistema interamericano afirmando que o respeito ao duplo grau de

jurisdição é absolutamente indispensável, mesmo que se trate de

condenação pelo órgão máximo do país. Não existem ressalvas

no sistema interamericano em relação ao duplo grau de jurisdição.

A Corte Interamericana não é um tribunal que está acima do

STF, ou seja, não há hierarquia entre eles. É por isso que ela não

constitui um órgão recursal. Porém, suas decisões obrigam o país

que é condenado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. ‘Pacta sunt


servanda’: ninguém é obrigado a assumir compromissos internacionais.

Depois de assumidos, devem ser cumpridos.
De forma direta, a Corte não interfere nos processos que

tramitam num determinado Estado membro sujeito à sua jurisdição

(em razão de livre e espontânea adesão), porém, de forma indireta,

sim. (…).


….......................................................................…..........................
No caso ‘Barreto Leiva contra Venezuela’, a Corte, em sua

decisão de 17.11.09, apresentou duas surpresas: a primeira é que fez
27
valer em toda a sua integralidade o direito ao duplo grau de


jurisdição (direito de ser julgado duas vezes, de forma ampla e
ilimitada) e a segunda é que deixou claro que esse direito vale para

todos os réus, inclusive os julgados pelo Tribunal máximo do país,

em razão do foro especial por prerrogativa de função ou de conexão


com quem desfruta dessa prerrogativa.

…...........................................................................…......................
A obrigação de respeitar o duplo grau de jurisdição deve ser

cumprida pelo Estado, por meio do seu Poder Judiciário, em prazo

razoável. De outro lado, também deve o Estado fazer as devidas

adequações no seu direito interno, de forma a garantir sempre o


duplo grau de jurisdição, mesmo quando se trata de réu com foro

especial por prerrogativa de função.

….....................................................................................................
De outro lado, quando o julgamento acontece na Corte

Máxima, a única interpretação possível do art. 8º, II, ‘h’, da CADH,

é que este mesmo tribunal é o competente para o segundo


julgamento. Foi isso que determinou a CIDH no caso ‘Barreto Leiva’.

Quando não existe outro juiz ou Corte ‘superior’, é a mesma Corte

máxima que deve proceder ao segundo julgamento porque, no âmbito

criminal, nenhum réu jamais pode ser tolhido desse segundo

julgamento (consoante a firme e incisiva jurisprudência da CIDH).

(grifei)

Nem se diga que a soberania do Estado brasileiro seria oponível à



autoridade das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos,

quando proferidas no exercício de sua jurisdição contenciosa.

A questão central, neste tema, considerada a limitação da soberania

dos Estados (com evidente afastamento das concepções de JEAN BODIN),

notadamente em matéria de Direitos Humanos, e a voluntária adesão do

Brasil a esses importantíssimos estatutos internacionais de proteção regional

e global aos direitos básicos da pessoa humana, consiste em manter

fidelidade aos compromissos que o Estado brasileiro assumiu na ordem

internacional, eis que continua a prevalecer, ainda, o clássico dogma

reafirmado pelo Artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos

Tratados, hoje incorporada ao ordenamento interno de nosso País


28
(Decreto nº 7.030/2009) –, segundo o qual “pacta sunt servanda”, vale dizer,

Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé”,

sendolhe inoponíveis, consoante diretriz fundada no Artigo 27 dessa

mesma Convenção de Viena, as disposições do direito interno do Estado

nacional, que não poderá justificar, com base em tais regras domésticas, o

inadimplemento de suas obrigações convencionais, sob pena de cometer

grave ilícito internacional.

Essa compreensão do tema – notadamente em situações como a ora

em exame em que o Supremo Tribunal Federal se vê dividido na exegese de

um dado preceito normativo – permite realizar a cláusula inscrita no

art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que confere, no

domínio de interpretação dos direitos e garantias fundamentais, primazia à

norma mais favorável, consoante tem enfatizado a própria jurisprudência

desta Suprema Corte (HC 90.450/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA




MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A


INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.

Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade

interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais

de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico

básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção

Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir

primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em

ordem a dispensarlhe a mais ampla proteção jurídica.

O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que

prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser

aquela prevista no tratado internacional como a que se acha

positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a

máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações

constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos

indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a


sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da
pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à

alteridade humana tornaremse palavras vãs.

Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29,
29
ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São

José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais
favorável à proteção efetiva do ser humano.

(HC 96.772/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

É de observarse, ainda, por relevante, que, opostos os embargos

infringentes, “serão excluídos da distribuição o Relator e o Revisor” (RISTF,

art. 76), o que permitirá, até mesmo, uma nova visão sobre o litígio penal



ora em julgamento.

Cabe relembrar, neste ponto, considerado o fato de que os embargos

infringentes permitirão, embora de modo pontual, porque limitados ao

objeto da divergência, uma nova visão sobre a controvérsia penal, a

observação de PONTES DE MIRANDA (“Comentários ao Código de

Processo Civil”, tomo VII, p. 330 e 339, 1975, Forense) no sentido de que

essa modalidade recursal, ainda que havida por inconveniente por alguns

processualistas, pode, no entanto, servir à causa da Justiça, como o revela

esse eminente jurisconsulto brasileiro ao justificar a razão de ser dos



embargos infringentes:

Os melhores julgamentos, os mais completamente




instruídos e os mais proficientemente discutidos são os

julgamentos das Câmaras de embargos. (…) muita injustiça se

tem afastado com os julgamentos em grau de embargos.

................................................................................................

O interesse precipuamente protegido pelo art. 530 do

Código de 1973 não é o individual. É o interesse público em que

haja a mais completa aplicação de todas as leis que presidiram à

formação das relações jurídicas, isto é, de todas as leis que


incidiram.

Cabe assinalar, finalmente, que a existência de votos vencidos

qualificase como pressuposto necessário para a admissibilidade dos

embargos infringentes, pois, como ninguém o ignora, a finalidade dessa

espécie recursal consiste em fazer prevalecer, no rejulgamento da causa –


30
limitado, topicamente, ao objeto da divergência –, a solução preconizada

pela corrente minoritária.

É de indagarse, neste ponto, para efeito de utilização dos embargos

infringentes contra acórdão não unânime do Supremo Tribunal Federal, na

hipótese prevista no art. 333, inciso I, do RISTF, se a corrente minoritária

deve comporse de 04 (quatro) votos vencidos ou, então, se se revela suficiente

a existência de apenas 01 (um) voto divergente.

O eminente Ministro GILMAR MENDES formulou indagação

relevante a propósito da questão pertinente aos votos vencidos.

Por que 4 (quatro) votos vencidos e não 3 (três), 2 (dois) ou apenas 1 (um)?

Entendo que essa questão mereceu adequada análise pelo eminente

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, que, em julgamento nesta Corte, de

que foi Relator (HC 71.124/RJ), após haver destacado o descabimento de

embargos infringentes criminais contra decisão condenatória não



unânime, nos processos de competência originária dos Tribunais em geral,

salvo no Supremo Tribunal Federal”, bem justificou a razão de ser da

exigência mínima de 04 (quatro) votos vencidos, salientando que esse

número – bastante expressivo em um Tribunal com apenas 11 (onze)

integrantes (tanto que quatro votos, nas Turmas, compõem a maioria) –

revelase apto a evidenciar, sem qualquer dúvida, a plausibilidade jurídica



da pretensão deduzida pela parte embargante:

Resta a invocada analogia da hipótese com as tratadas no


Regimento Interno do Supremo Tribunal, que tanto admite os

embargos infringentes contra a decisão que ‘julgar improcedente a

revisão criminal’ (art. 333, III), quanto contra aquela que ‘julgar

procedente a ação penal’ (art. 333, I), atualmente, desde que haja

quatro votos vencidos (a ressalva do art. 333, parág. único,

quando se tratasse de julgamento criminal em sessão secreta, que se

contentava em que a decisão não fosse unânime, perdeu o objeto com o

art. 93, IX, da Constituição).

É curioso observar que a admissão dos embargos infringentes

contra decisão das ações penais originárias, no âmbito do Supremo
31
Tribunal, desde o art. 194 do velho Regimento (CORDEIRO DE

MELLO, ‘ob. cit.’, II/832): muito anterior, portanto, a que a


EC 16/65 e as cartas constitucionais subsequentes outorgassem

hierarquia de lei ordinária ao regimento interno da Corte.
Não obstante, estou em que a singularidade se explica pela


posição do Supremo Tribunal na cúpula da estrutura judiciária

nacional (...).

.........................................................................................................
Em contraposição, os acórdãos em processos originários do

Supremo Tribunal são de única e última instância, não apenas no


acertamento dos fatos, mas também na aplicação do direito: donde, a
construção da abertura da via dos embargos, ao menos para as



hipóteses em que o número de votos divergentes no seio da Corte

emprestar probabilidade significativa de êxito à súplica do


reexame do caso.
Nessa linha de raciocínio, é significativo que a L. 8.038/90


que cuidou das ações penais originárias, de competência do Supremo e
do Superior Tribunal de Justiça não haja cogitado de transportar,


para o último, a regra de admissibilidade dos embargos infringentes,
que, por força do regimento, aqui subsiste. (...).


….....................................................................................................
Finalmente, impressiona o argumento das informações de que,

suposto ser o caso de aplicação analógica, a exigência de quatro

votos vencidos, de grande peso no conjunto de onze juízes do STF,

não poderia ser transplantada para o âmbito de colegiados muito mais


numerosos (...) sem que antes se procedesse à devida adequação da

proporcionalidade.” (grifei)

Concluo o meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazêlo, peço vênia para

dar provimento ao presente “agravo regimental”, admitindo, em consequência,

a possibilidade de utilização, no caso, dos embargos infringentes (RISTF,

art. 333, inciso I), desde que existentes, pelo menos, 04 (quatro) votos

vencidos, acompanhando, por tal razão, a divergência iniciada pelo



eminente Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO.

É o meu voto.


32