PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
7ª Câmara de Direito Privado
Registro: 2013.0000030129
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0131636-
17.2008.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes RADIO E
TELEVISAO BANDEIRANTES LTDA, JOSE LUIZ DATENA e SANDRA LIA
GUIMARAES LOURENÇO, são apelados SANDRA LIA GUIMARAES
LOURENÇO, JOSE LUIZ DATENA e RADIO E TELEVISAO BANDEIRANTES
LTDA.
ACORDAM
, em 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de
São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores
MIGUEL BRANDI (Presidente) e LUIZ ANTONIO COSTA.
São Paulo, 30 de janeiro de 2013
RAMON MATEO JÚNIOR
RELATOR
Assinatura Eletrônica
Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 0131636-17.2008.8.26.0000 e o código RI000000FVGNY.
Este documento foi assinado digitalmente por RAMON MATEO JUNIOR.
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Apelação nº 0131636-17.2008.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº 1021 2
Voto nº 01021
Apelação nº 0131636-17.2008.8.26.0000
Apelantes: Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda/ José Luiz
Datena/Sandra Lia Guimarães Lourenço
Apelados: Sandra Lia Guimarães Lourenço/Rádio e Televisão
Bandeirantes Ltda/José Luiz Datena
Comarca: São Paulo
Responsabilidade civil Ação de Indenização por Danos
Morais Abuso do dever de informar caracterizado. Autora
adjetivada de “assassina” e “vagabunda” em rede nacional de
televisão Indenização por dano moral devida Abuso do
dever de infirmar Fixação em R$ 30.000,00 que se afigura
razoável para o caso Sentença mantida Apelos improvidos.
Trata-se de apelações interpostas contra a
sentença de fls. 145/148, que julgou procedente a Ação de
Reparação por Dano Moral movida por Sandra Lia Guimarães
Lourenço em face de Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda e
José Luiz Datena e condenou os réus ao pagamento de
indenização no valor de R$ 30.000,00.
O julgado foi objeto de embargos de declaração,
apresentados pela autora (fls. 150/151), aos quais foi dado
provimento para determinar que o valor da indenização seja
corrigido desde a data da sentença e os juros de mora de 1%
a.m. incidirão a partir da data do fato (fls. 152).
Inconformadas, as partes apelaram, requerendo a
reforma do julgado (fls. 154/177, 182/196 e 202/206).
Preliminarmente, alega a corré Rádio e Televisão
Bandeirantes Ltda que não foi recepcionada pela Constituição
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Federal a exigência de depósito da condenação para a
interposição de apelação, conforme era previsto no artigo 57,
§6º, da Lei de Imprensa.
No mérito, afirma que as matérias jornalísticas
discutidas nos presentes autos relataram fatos verídicos, sem
fazer qualquer juízo de valor da autora.
Afirma que a fita que continha a gravação do
programa “Brasil Urgente”, exibido em 05 de abril de 2003,
foi reutilizada após o decurso do prazo legal de 30 dias. Não
pode a corré, portanto, ser prejudicada por ter agido dentro
da lei. Não houve notificação tempestiva para que a gravação
não fosse destruída.
Afirma que a prova exclusivamente testemunhal
não é o meio mais adequado para solucionar as lides
decorrentes de veiculação de programas televisivos, pois é
necessária a análise da reportagem, da forma como foi
noticiada, a fim de se constatar a ocorrência de danos a
alguém.
Afirma que não restaram comprovados os
requisitos do dever de indenizar, mas caso seja mantida a
sentença, requer que o valor da indenização seja diminuído.
O corréu José Luiz Datena, preliminarmente,
também alega a inexigibilidade do pagamento da condenação
para a interposição do recurso de apelação.
No mérito, alega que a reportagem do “Brasil
Urgente” apenas acompanhou a prisão da autora e de seu
namorado e entrevistou algumas pessoas. Por ter caráter
policial e investigativo, o programa fez chegar ao público
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fatos de relevante importância, sem qualquer agravo ou
ofensa à autora.
Afirma que a única prova produzida pela autora
foi o depoimento de uma testemunha, pessoa de quem a mãe
da autora é cliente, que aconteceu dois anos após a
transmissão da notícia. É remota a hipótese de que a
depoente se lembrasse com clareza do acontecido.
Afirma que não cometeu nenhum ato ilícito,
tendo agido no exercício regular do seu direito de informar.
Não houve a comprovação dos requisitos para a condenação
dos réus ao pagamento de indenização por danos morais.
Ainda que a sentença seja mantida, o valor da indenização
deve ser reduzido.
Alega a autora que o valor fixado de indenização
não minimiza a dor sofrida por ela e nem desestimula os réus
a praticarem novamente a conduta que a ofendeu. O
programa é transmitido para o país inteiro e, com certeza,
milhares de pessoas a viram ser ofendida e destratada pelos
réus.
Requer a majoração do valor da indenização e a
condenação dos réus ao pagamento de honorários
advocatícios de 20% sobre o valor da condenação.
Os recursos dos réus foram devidamente
preparados (fls. 178/180 e 197/198) e a autora deixou de
recolher as despesas, por ser beneficiária da gratuidade de
justiça.
As apelações interpostas pelos réus não foram
recebidas, por estarem desacompanhadas da comprovação do
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pagamento do valor da condenação (fls. 207). Os réus
interpuseram agravo de instrumento (fls. 209/223 e
228/240), aos quais foi dado provimento para receber as
apelações (fls. 272/276).
Os recursos foram processados e contraarrazoados
(fls. 373/377, 379/383, 385/400 e 403/408).
É o relatório.
Preliminarmente, deve-se esclarecer que a
questão referente à exigência do depósito da condenação para
a interposição de apelação, conforme era previsto no artigo
57, §6º, da Lei de Imprensa, já foi decidida em sede de agravo
de instrumento (fls. 274/276), não havendo mais nada a ser
discutido. Operou-se a preclusão.
Superada essa questão, passa-se à análise do
mérito propriamente dito.
As apelações não comportam provimento.
A autora ajuizou ação em face dos réus, com o
objetivo de receber indenização por danos morais, em virtude
de notícias veiculadas no programa Brasil Urgente, nos dias
03, 04 e 05 de abril de 2003, nas quais foi chamada pelo
apresentador de “vagabunda” e “assassina”.
O pedido foi julgado procedente.
Realmente a solução dada em primeiro grau, pelo
preclaro magistrado Maury Ângelo Bottesini, merece
prevalecer.
Nem se argumente que não existe prova da
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materialidade, ou seja, que a autora não comprovou as
alegações contidas na inicial, de que foi chamada de
“vagabunda” e “assassina” pelo correu José Luiz Datena.
Convém anotar que o modo pelo qual o Sr. Datena dá as
noticias em seu programa é por todos conhecida, somando-se
a isso o fato de que a prova oral corrobora com o descrito na
vestibular.
Para demonstrar a propalada lisura com que o
correu José Luiz Datena diz que conduziu o programa,
bastava a ele, e com muito mais facilidades do que autora
apresentar a fita de gravada de seu programa. Em outras
palavras, para desconstituir a prova oral trazida aos autos
pela autora, poderiam os réus (apelantes) apresentarem a fita
gravada.
Contudo, a corré Rede Bandeirantes, mesmo
notificada, informou que as fitas haviam sido reaproveitadas
ou destruídas e que uma cópia foi entregue no processo crime
em tramite na vara do júri. Porém, essa sofreu alterações, ou
seja, foi editada, com a supressão de todas as falas de José
Luiz Datena.
Em outras palavras, ao meu sentir não acredito
que a autora estaria em uma aventura jurídica contra a Rede
Bandeirantes de Televisão e o conhecido apresentador José
Luiz Datena, buscando indenização por dano moral, ao
fundamento de que foi ofendida e injuriada no programa em
que foi noticiada a sua prisão, sabendo que de forma muito
simples poderia ser desmascarada com a simples
apresentação da fita de gravação do programa.
Nesse contexto, entende-se que a prova da
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materialidade da ofensa, se satisfaz com a prova testemunhal
colhida.
O dano moral é inquestionável, haja vista que as
ofensa lançadas no programa contém potencial lesividade,
causando dor e sofrimento em quem as recebe, mormente
quando se encontra em complicada situação por ser suspeita
de crime de homicídio.
Além disso, o corréu não negou ter chamado a
autora de “vagabunda” e “assassina”, durante a notícia do
assassinato de uma senhora, mãe do namorado da autora.
Apenas afirmou que não se lembrava de tê-la chamado assim
(fls. 118).
Já a testemunha Maria Aparecida Armada,
devidamente compromissada, afirmou que assistiu a um
programa na TV Bandeirantes, no qual apareceu a imagem da
autora. O apresentador, conhecido como Datena, teria
utilizado a palavra “vagabunda” para se referir à autora,
supostamente envolvida no assassinato de uma mulher (fls.
119).
Repita-se sem ser tedioso, que os réus poderiam,
a fim de encerrar qualquer dúvida a respeito da forma como a
notícia foi dada e do não proferimento de palavras ofensivas à
autora, ter apresentado as gravações dos programas. Não o
fizeram, todavia, alegando que, passado certo tempo, as fitas
são reutilizadas, o que já teria acontecido com as dos
programas dos dias 03, 04 e 05 de abril de 2003.
Dessa forma, há de se considerar que a autora
demonstrou de forma mais contundente que foi ofendida por
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palavras de “baixo calão” e acusada de crime que não
cometeu.
Segundo consta dos autos, as investigações do
inquérito policial demonstraram que a autora somente
auxiliou o namorado a subtrair-se à ação da autoridade
pública, evitando-lhe a prisão em flagrante delito, mas não
foi sequer partícipe do crime de homicídio, praticado única e
exclusivamente por Marcos Fonseca. Ela foi denunciada pelo
crime de favorecimento pessoal (artigo 348, “caput”, do
Código Penal) (fls. 74/77).
A manifestação do pensamento e a liberdade de
imprensa, ainda que possam ser principio básicos de uma
sociedade livre e liberal, encontra limites da dignidade
humana que se consubstancia no maior princípio norteador
de toda estrutura do nosso Estado Democrático de Direito.
À evidência, não pode haver abuso por parte
daquele que manifesta seu pensamento ou veicula uma
notícia.
No meio jornalístico, principalmente, deve-se ter
cuidado para apenas passar aos espectadores os fatos como
ocorreram, deixando que eles tirem suas próprias conclusões.
Ainda que o jornalista pretenda expressar sua opinião, deve
fazê-lo de forma comedida, tomando cuidado para não ser
vítima de suas próprias palavras futuramente, bem como
permitindo que seu ouvinte possa formar seu próprio juízo de
valor.
No presente caso, diante da ausência total das
provas negando os fatos narrados na inicial e desmentindo as
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provas produzidas pela autora, a procedência da ação é
medida que se impõe. Pondera-se que é inquestionável o dano
moral, quando uma pessoa é adjetivada de “vagabunda” e
“assassina” em cadeia nacional, por uma das maiores
emissoras de televisão do Brasil, e quiçá do mundo.
Constatado, portanto, o dano moral, decorre o
dever de indenizar.
O arbitramento feito em primeiro grau afigura-se
coberto de razoabilidade e merece ser mantido.
Para a fixação de indenização nesses casos, é de
bom alvitre a utilização da teoria do desestímulo,
predominante em nosso ordenamento jurídico. Referida teoria
dispõe que a indenização por danos morais deve ser fixada
em valor suficiente à reparação da dor sofrida pela vítima e,
ao mesmo tempo, em valor que sirva de desestímulo ao
causador do dano, a fim de que altere o seu comportamento e
não pratique mais a conduta lesiva.
A indenização por danos morais, portanto, tem
como objetivos a reparação da vítima e a punição do agente
causador do dano, não podendo servir para enriquecimento
sem causa da vítima. Além disso, devem ser considerados
outros aspectos, como, por exemplo, a extensão do dano, a
possibilidade de reversão e a gravidade da conduta de quem
causou a lesão.
Assim, ao que parece, não há razões para o
aumento ou a diminuição do valor fixado pelo magistrado,
qual seja, R$ 30.000,00.
Assim, a sentença deve ser mantida em todos os
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seus termos.
Ante o exposto,
NEGA-SE PROVIMENTO aos
apelos.
Ramon Mateo Junior
Relator
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