sexta-feira, 31 de maio de 2013

Datena e Band devem indenizar espectadora por chamá-la de assassina

PODER JUDICIÁRIO


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

7ª Câmara de Direito Privado

Registro: 2013.0000030129

ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0131636-

17.2008.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes RADIO E

TELEVISAO BANDEIRANTES LTDA, JOSE LUIZ DATENA e SANDRA LIA

GUIMARAES LOURENÇO, são apelados SANDRA LIA GUIMARAES

LOURENÇO, JOSE LUIZ DATENA e RADIO E TELEVISAO BANDEIRANTES

LTDA.

ACORDAM

, em 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de

São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos. V. U.", de

conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores

MIGUEL BRANDI (Presidente) e LUIZ ANTONIO COSTA.

São Paulo, 30 de janeiro de 2013

RAMON MATEO JÚNIOR

RELATOR

Assinatura Eletrônica


Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 0131636-17.2008.8.26.0000 e o código RI000000FVGNY.

Este documento foi assinado digitalmente por RAMON MATEO JUNIOR.

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Apelação nº 0131636-17.2008.8.26.0000 - São Paulo - Voto nº 1021 2


Voto nº 01021

Apelação nº 0131636-17.2008.8.26.0000

Apelantes: Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda/ José Luiz

Datena/Sandra Lia Guimarães Lourenço

Apelados: Sandra Lia Guimarães Lourenço/Rádio e Televisão

Bandeirantes Ltda/José Luiz Datena

Comarca: São Paulo



Responsabilidade civil Ação de Indenização por Danos

Morais Abuso do dever de informar caracterizado. Autora

adjetivada de “assassina” e “vagabunda” em rede nacional de

televisão Indenização por dano moral devida Abuso do

dever de infirmar Fixação em R$ 30.000,00 que se afigura

razoável para o caso Sentença mantida Apelos improvidos.


Trata-se de apelações interpostas contra a

sentença de fls. 145/148, que julgou procedente a Ação de

Reparação por Dano Moral movida por Sandra Lia Guimarães

Lourenço em face de Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda e

José Luiz Datena e condenou os réus ao pagamento de

indenização no valor de R$ 30.000,00.

O julgado foi objeto de embargos de declaração,

apresentados pela autora (fls. 150/151), aos quais foi dado

provimento para determinar que o valor da indenização seja

corrigido desde a data da sentença e os juros de mora de 1%

a.m. incidirão a partir da data do fato (fls. 152).

Inconformadas, as partes apelaram, requerendo a

reforma do julgado (fls. 154/177, 182/196 e 202/206).

Preliminarmente, alega a corré Rádio e Televisão

Bandeirantes Ltda que não foi recepcionada pela Constituição

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Federal a exigência de depósito da condenação para a

interposição de apelação, conforme era previsto no artigo 57,

§6º, da Lei de Imprensa.

No mérito, afirma que as matérias jornalísticas

discutidas nos presentes autos relataram fatos verídicos, sem

fazer qualquer juízo de valor da autora.

Afirma que a fita que continha a gravação do

programa “Brasil Urgente”, exibido em 05 de abril de 2003,

foi reutilizada após o decurso do prazo legal de 30 dias. Não

pode a corré, portanto, ser prejudicada por ter agido dentro

da lei. Não houve notificação tempestiva para que a gravação

não fosse destruída.

Afirma que a prova exclusivamente testemunhal

não é o meio mais adequado para solucionar as lides

decorrentes de veiculação de programas televisivos, pois é

necessária a análise da reportagem, da forma como foi

noticiada, a fim de se constatar a ocorrência de danos a

alguém.

Afirma que não restaram comprovados os

requisitos do dever de indenizar, mas caso seja mantida a

sentença, requer que o valor da indenização seja diminuído.

O corréu José Luiz Datena, preliminarmente,

também alega a inexigibilidade do pagamento da condenação

para a interposição do recurso de apelação.

No mérito, alega que a reportagem do “Brasil

Urgente” apenas acompanhou a prisão da autora e de seu

namorado e entrevistou algumas pessoas. Por ter caráter

policial e investigativo, o programa fez chegar ao público

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fatos de relevante importância, sem qualquer agravo ou

ofensa à autora.

Afirma que a única prova produzida pela autora

foi o depoimento de uma testemunha, pessoa de quem a mãe

da autora é cliente, que aconteceu dois anos após a

transmissão da notícia. É remota a hipótese de que a

depoente se lembrasse com clareza do acontecido.

Afirma que não cometeu nenhum ato ilícito,

tendo agido no exercício regular do seu direito de informar.

Não houve a comprovação dos requisitos para a condenação

dos réus ao pagamento de indenização por danos morais.

Ainda que a sentença seja mantida, o valor da indenização

deve ser reduzido.

Alega a autora que o valor fixado de indenização

não minimiza a dor sofrida por ela e nem desestimula os réus

a praticarem novamente a conduta que a ofendeu. O

programa é transmitido para o país inteiro e, com certeza,

milhares de pessoas a viram ser ofendida e destratada pelos

réus.

Requer a majoração do valor da indenização e a

condenação dos réus ao pagamento de honorários

advocatícios de 20% sobre o valor da condenação.

Os recursos dos réus foram devidamente

preparados (fls. 178/180 e 197/198) e a autora deixou de

recolher as despesas, por ser beneficiária da gratuidade de

justiça.

As apelações interpostas pelos réus não foram

recebidas, por estarem desacompanhadas da comprovação do

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pagamento do valor da condenação (fls. 207). Os réus

interpuseram agravo de instrumento (fls. 209/223 e

228/240), aos quais foi dado provimento para receber as

apelações (fls. 272/276).

Os recursos foram processados e contraarrazoados

(fls. 373/377, 379/383, 385/400 e 403/408).

É o relatório.

Preliminarmente, deve-se esclarecer que a

questão referente à exigência do depósito da condenação para

a interposição de apelação, conforme era previsto no artigo

57, §6º, da Lei de Imprensa, já foi decidida em sede de agravo

de instrumento (fls. 274/276), não havendo mais nada a ser

discutido. Operou-se a preclusão.

Superada essa questão, passa-se à análise do

mérito propriamente dito.

As apelações não comportam provimento.

A autora ajuizou ação em face dos réus, com o

objetivo de receber indenização por danos morais, em virtude

de notícias veiculadas no programa Brasil Urgente, nos dias

03, 04 e 05 de abril de 2003, nas quais foi chamada pelo

apresentador de “vagabunda” e “assassina”.

O pedido foi julgado procedente.

Realmente a solução dada em primeiro grau, pelo

preclaro magistrado Maury Ângelo Bottesini, merece

prevalecer.

Nem se argumente que não existe prova da

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materialidade, ou seja, que a autora não comprovou as

alegações contidas na inicial, de que foi chamada de

“vagabunda” e “assassina” pelo correu José Luiz Datena.

Convém anotar que o modo pelo qual o Sr. Datena dá as

noticias em seu programa é por todos conhecida, somando-se

a isso o fato de que a prova oral corrobora com o descrito na

vestibular.

Para demonstrar a propalada lisura com que o

correu José Luiz Datena diz que conduziu o programa,

bastava a ele, e com muito mais facilidades do que autora

apresentar a fita de gravada de seu programa. Em outras

palavras, para desconstituir a prova oral trazida aos autos

pela autora, poderiam os réus (apelantes) apresentarem a fita

gravada.

Contudo, a corré Rede Bandeirantes, mesmo

notificada, informou que as fitas haviam sido reaproveitadas

ou destruídas e que uma cópia foi entregue no processo crime

em tramite na vara do júri. Porém, essa sofreu alterações, ou

seja, foi editada, com a supressão de todas as falas de José

Luiz Datena.

Em outras palavras, ao meu sentir não acredito

que a autora estaria em uma aventura jurídica contra a Rede

Bandeirantes de Televisão e o conhecido apresentador José

Luiz Datena, buscando indenização por dano moral, ao

fundamento de que foi ofendida e injuriada no programa em

que foi noticiada a sua prisão, sabendo que de forma muito

simples poderia ser desmascarada com a simples

apresentação da fita de gravação do programa.

Nesse contexto, entende-se que a prova da

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materialidade da ofensa, se satisfaz com a prova testemunhal

colhida.

O dano moral é inquestionável, haja vista que as

ofensa lançadas no programa contém potencial lesividade,

causando dor e sofrimento em quem as recebe, mormente

quando se encontra em complicada situação por ser suspeita

de crime de homicídio.

Além disso, o corréu não negou ter chamado a

autora de “vagabunda” e “assassina”, durante a notícia do

assassinato de uma senhora, mãe do namorado da autora.

Apenas afirmou que não se lembrava de tê-la chamado assim

(fls. 118).

Já a testemunha Maria Aparecida Armada,

devidamente compromissada, afirmou que assistiu a um

programa na TV Bandeirantes, no qual apareceu a imagem da

autora. O apresentador, conhecido como Datena, teria

utilizado a palavra “vagabunda” para se referir à autora,

supostamente envolvida no assassinato de uma mulher (fls.

119).

Repita-se sem ser tedioso, que os réus poderiam,

a fim de encerrar qualquer dúvida a respeito da forma como a

notícia foi dada e do não proferimento de palavras ofensivas à

autora, ter apresentado as gravações dos programas. Não o

fizeram, todavia, alegando que, passado certo tempo, as fitas

são reutilizadas, o que já teria acontecido com as dos

programas dos dias 03, 04 e 05 de abril de 2003.

Dessa forma, há de se considerar que a autora

demonstrou de forma mais contundente que foi ofendida por

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palavras de “baixo calão” e acusada de crime que não

cometeu.

Segundo consta dos autos, as investigações do

inquérito policial demonstraram que a autora somente

auxiliou o namorado a subtrair-se à ação da autoridade

pública, evitando-lhe a prisão em flagrante delito, mas não

foi sequer partícipe do crime de homicídio, praticado única e

exclusivamente por Marcos Fonseca. Ela foi denunciada pelo

crime de favorecimento pessoal (artigo 348, “caput”, do

Código Penal) (fls. 74/77).

A manifestação do pensamento e a liberdade de

imprensa, ainda que possam ser principio básicos de uma

sociedade livre e liberal, encontra limites da dignidade

humana que se consubstancia no maior princípio norteador

de toda estrutura do nosso Estado Democrático de Direito.

À evidência, não pode haver abuso por parte

daquele que manifesta seu pensamento ou veicula uma

notícia.

No meio jornalístico, principalmente, deve-se ter

cuidado para apenas passar aos espectadores os fatos como

ocorreram, deixando que eles tirem suas próprias conclusões.

Ainda que o jornalista pretenda expressar sua opinião, deve

fazê-lo de forma comedida, tomando cuidado para não ser

vítima de suas próprias palavras futuramente, bem como

permitindo que seu ouvinte possa formar seu próprio juízo de

valor.

No presente caso, diante da ausência total das

provas negando os fatos narrados na inicial e desmentindo as

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provas produzidas pela autora, a procedência da ação é

medida que se impõe. Pondera-se que é inquestionável o dano

moral, quando uma pessoa é adjetivada de “vagabunda” e

“assassina” em cadeia nacional, por uma das maiores

emissoras de televisão do Brasil, e quiçá do mundo.

Constatado, portanto, o dano moral, decorre o

dever de indenizar.

O arbitramento feito em primeiro grau afigura-se

coberto de razoabilidade e merece ser mantido.

Para a fixação de indenização nesses casos, é de

bom alvitre a utilização da teoria do desestímulo,

predominante em nosso ordenamento jurídico. Referida teoria

dispõe que a indenização por danos morais deve ser fixada

em valor suficiente à reparação da dor sofrida pela vítima e,

ao mesmo tempo, em valor que sirva de desestímulo ao

causador do dano, a fim de que altere o seu comportamento e

não pratique mais a conduta lesiva.

A indenização por danos morais, portanto, tem

como objetivos a reparação da vítima e a punição do agente

causador do dano, não podendo servir para enriquecimento

sem causa da vítima. Além disso, devem ser considerados

outros aspectos, como, por exemplo, a extensão do dano, a

possibilidade de reversão e a gravidade da conduta de quem

causou a lesão.

Assim, ao que parece, não há razões para o

aumento ou a diminuição do valor fixado pelo magistrado,

qual seja, R$ 30.000,00.

Assim, a sentença deve ser mantida em todos os

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seus termos.

Ante o exposto,
NEGA-SE PROVIMENTO aos

apelos.

Ramon Mateo Junior


Relator
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