Hermes A. Vitali
BREVE
COMENTÁRIO AO LIVRO “DOS DELITOS E DAS PENAS”
Inicialmente é importante dizer que César Becaria sofreu diretamente a
influência dos Enciclopedistas (Voltaire, Rosseau e Montesquieu). Na época de Cesaré Bonesana, a idéia geral é
de que as penas constituíam uma vingança coletiva, bem diferente do momento
atual onde a pena visa a ressocialização do condenado, e a pena de prisão tem
como objetivo segregar o preso perigoso. Abrindo possibilidade de que os presos
que foram condenados por crimes de pouca periculosidade não sofram o encarceramento, mas, penas de prestação de
serviços a sociedade, penas restritivas de direito e penas pecuniárias. Portanto, há um grande abismo no pensamento
do século XVIII em relação a visão
atual.
O Marques de Becaria se atem a
idéia de contrato social, afirma ele quando comenta a respeito da origem do
direito de punir:
“A reunião de
todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de
punir”
Assim cada individuo sente melhor proteção e amparado ao viver em
sociedade, abre mão de uma parte da sua liberdade, a favor da coletividade.
Como conseqüência “...apenas as leis
podem indicar as penas de cada delito e que o direito de estabelecer leis
penais não pode ser senão da pessoa do legislador,...” Como se pode perceber recorre Becaria as
idéias de Montesquieu da repartição de poderes
o que resulta no nosso atualíssimo princípio da legalidade. Ele descreve o sistema de repartição de
poderes (legislativo, executivo e judiciário) ao mencionar o mecanismo das leis
e sua aplicação, as funções do magistrado, do legislador e do soberano.
No Capitulo IV “Da interpretação das leis”, merece
destaque a formulação metodológica de interpretação das leis, dentro dos
parâmetros do pensamento Aristotélico, isto é,
o silogismo maior e a lei , o silogismo menor é o fato praticado pelo
agente, a conseqüência é a liberdade ou a prisão.
No Capitulo VI “Da prisão”, Becaria comenta a forma como é determinada a prisão pelo
magistrado e propõe critérios objetivos, evitando a discricionariedade, isto é
a mera suspeita ou antipatia do magistrado.
Curiosamente, no capitulo seguinte
seguindo por esse pensamento ele propõe um sistema de provas, e ensina:
“Quando,
porém, as provas independem umas das outras, isto é, quando cada indício pode
ser provado separadamente , quanto mais
numerosos eles forem , tanto mais provável será o delito, pois a falsidade de
uma prova em nada influi sobre a certeza das restantes”
Também ensina ele, algo que ainda hoje é muito atual a necessidade de
leis claras e de acesso ao povo, assim diz: “Sendo as leis exatas e claras, o dever do juiz fica limitado à
constatação do fato”
Outro preceito de Becaria é o julgamento “por seus iguais” ; também
prevê a recusa das pessoas que irão
integrar os jurados ,pelos
patronos das partes (hoje adotado no tribunal do júri).
Quanto as testemunhas ela mostra a importância do juiz e dos jurados ( no caso de tribunal do júri) “sentirem” o depoimento, avaliarem através dos gestos,
olhar, expressão e tom de voz, se há verdade ou mentira no depoimento.
No Capítulo IX “Das acusações secretas”, e espantoso
que na história da humanidade, algum povo, tenha aceitado que as acusações formuladas sejam secretas, há uma agressão inerente a tal ato.
Becaria formula preceitos de ordem
processual penal ao falar a respeito de acusações, interrogatórios, juramentos,
depoimento de testemunhas; até chega a comentar a mais repulsiva forma de “extrair a verdade ” que o homem
conhece, ou seja, a tortura. E
demonstra a sua total inutilidade, quando mostra que o sujeito culpado, mas,
robusto pode se sair muito bem de uma sessão de tortura ao passo que o inocente
franzino cederá facilmente e “confessara” qualquer coisa para se ver livre da dor e do sofrimento
.
O ilustre Marques também
menciona a necessidade de “moderação das
penas” e conseqüentemente pode-se vislumbrar
aqui o importante conceito de dosimetria
da pena.
Condena a pena de morte e mais do que isso, mostra a
sua total inutilidade, não gerando nenhum efeito preventivo com relação aos
delinqüentes em potencial.
Apóia o banimento, e
condena o confisco, assim prelecionando:
“O costume das confiscações coloca, sem
cessar, a prêmio a cabeça do
desventurado sem defesa e faz com que o inocente sofra os castigos que estão
destinados aos culpados. Ainda pio , as
confiscações podem tornar o homem de bem um criminoso, pois o arrastam ao crime
, por reduzi-lo a indigência e ao desespero”
Não deixa de mencionar,
a necessidade da publicidade e da presteza das penas. Nos dias de hoje vemos os jornalistas e
outros comentadores reclamarem da “certeza
da punição”, como algo muito mais eficaz que a criação de penas longas, no
combate e prevenção a criminalidade.
Assim ele se expressa, a respeita do tema:
“O réu não deve ficar encarcerado senão na medida em que se considere
necessário para o impedir de escapar-se ou de esconder as provas do crime”
Hermes A. Vitali
“Os
efeitos do castigo que acompanha o crime
precisam , em geral, ser impressionantes e sensíveis para aqueles que o
testemunharam;..”
“É, portanto,
da maior importância castigar rapidamente um delito cometido, se desejar que,
no espírito inculto do populacho, a pintura atraente das vantagens de uma
atitude criminosa desperte
de pronto a idéia de um castigo inevitável”
“O rigor do suplício não é que previne
os delitos com maior segurança, porém a certeza da punição, o zelo vigilante do
juiz e essa severidade inalterável que somente é uma virtude no magistrado
quando as leis são suaves.”
É assombroso, lermos tais
palavras e verificarmos a sua atualidade.
Parece que foram publicadas no jornal do dia, ou foram extraídas da
internet.
Becaria quando advoga a idéia de
asilo, vai diametralmente contra as novas idéias do Tribunal Penal
Internacional, pois entende ele que as punições e julgamentos devem ser restritos
ao limite territorial de cada País.
Condena o costume usado inclusive nos
Estado Unidos da América de por a cabeça a prêmio (desconhecido em nosso País ), mostra as
suas vicissitudes; pois principalmente mostra a debilidade do governo em prender
o criminoso e puni-lo.
Nos capítulos XXIII, XXIV, XXV, Becaria reforça a idéia de criar penas
compatíveis com os crimes cometidos , evitando abusos e exageros, e procurando
uma classificação científica dos
delitos.
Comenta singelamente o crime de lesa –
majestade e o mau uso das palavras ou seja, conforme a conveniência do
soberano, crimes de natureza leve se transformam em crime de
lesa-majestade. Em seguida,
comenta sobre os crimes contra a segurança dos particulares, os quais ele entende estão entre os grandes crimes, a merecer
especial atenção das autoridades.
Sobre as injúrias, Becaria fala a
respeito da honra e menciona o quanto tal conceito tão importante para todos ao mesmo tempo é impreciso e vago.
Becaria, não deixa de mencionar a
respeito do antigo e desusado costume do duelo, hoje tão distante de nos e de
natureza bizarra.
Fala também do roubo, do
contrabando, da falência; ele distingue roubo com violência do roubo sem
violência e opina a respeito das penas cabíveis; o contrabando para ele é um crime real, onde o maior lesado
é o soberano; já na falência distingue o falido de boa-fé do falido de má-fé e
a necessidade de regras punitivas, a serem aplicadas ao falido de má-fé pelo bem do comércio.
Hermes A. Vitali
Não deixa de mencionar os crimes que
atentam contra a tranqüilidade pública, a ociosidade e da certo destaque ao
temo “suicídio” Sobre o
suicídio ele diz:
“O
suicídio é um crime que parece não poder
estar submetido a qualquer tipo
de pena; pois esse castigo recairia apenas sobre um corpo sem sensibilidade, ou
sobre pessoas inocentes ”
Comenta a respeito dos crimes
relacionados ao casamento e a sexualidade, isto é o adultério, a pederastia e o
infanticídio e esclarece a respeito da dificuldade de serem constatados e
consequentemente de sofrerem punição.
Interessante observar que o infanticídio que implica a morte de um ser
vivo esta colocado no mesmo patamar do adultério e da pederastia. É o quanto hoje é bizarro punir a prática do homossexualismo, hoje protegido
como opção sexual pela Constituição Federal.
De forma até mesmo temerária
ele tenta justificar a razão de não discutir os crimes de feitiçaria e
heresia que na Idade Média eram da
responsabilidade da Igreja averiguar e punir
(De uma espécie particular de
crime).
Condena o que ele chama de “Espírito de família” , que nada mais é
do que um respeito excessivo ao chefe de família e as suas determinações.
Nos capítulos finais,
precisamente no capítulo “Do espírito do
fisco” mostra os excessos praticados
pelo soberano e os condena. Nos dias de hoje, basta vermos apenas um
aspecto da vida moderna, o transito, o excesso de radares que a impressa chama
de indústria da multas.
Em outro capítulo, Becaria
preocupa-se com a prevenção dos crimes, e assim diz: “É preferível prevenir os delitos do que precisar puni-los;
e todo legislador sábio deve, antes de mais nada , procurar impedir o mal em
vez de repara-lo , pois uma boa legislação não é mais do que a arte de
propiciar aos homens a maior soma de bem – estar possível e livrá-los de todos
os pesares que se lhes possam causar , conforme o cálculo dos bens e dos males
desta existência.” Nesse capítulo,
mostra a importância da educação para a prevenção do crime, assim como da valorização das liberdades democráticas como
mais um ponto forte de prevenção.
Demonstra que um País onde há
democracia e liberdade haverá um menor
índice de criminalidade.
Na conclusão da sua obra
Becaria mostra as enormes dificuldades
enfrentadas , procura ali defender-se das acusações de um frade dominicano
que o perseguia.
Hermes A. Vitali
PARALELO COM A ORDEM JURÍDICA
VIGENTE NO BRASIL
É possível
fazer um paralelo com a ordem jurídica vigente no Brasil, precisamente com a
Constituição Federal de 1988. Quando
Becaria fala da necessidade de leis claras e propõe critérios objetivos para que o magistrado determine a
prisão de alguém , lembramos do que dispõe o artigo 93, nos incisos IX e
X da Constituição Federal respectivamente :
‘todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos , e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei, se o interesse publico o exigir, limitar a presença,
em determinados atos , as próprias partes e a seus advogados, ou somente a
estes;’
‘as
decisões administrativas dos tribunais serão motivadas,....’
Ou seja,
todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, com a devida
transparência, evitando assim os humores e subjetivismos.
Ele ataca a tortura,
como meio de confissão e hoje encontramos na nossa Constituição Federal
precisamente no artigo 5o.:
‘II I- ninguém será submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
XLIX – é assegurado aos
presos o respeito à integridade física e moral;
LV I- são inadmissíveis, no processo , as provas
obtidas por meios ilícitos;
No capítulo VI “Da prisão” também vamos encontrar comentários compatíveis com a Constituição Federal atual
precisamente o artigo 5o. nos incisos LXI , LXII, LXIII, LXIV LXV
LXVI. O que demonstra como o Marques
era extremamente avançado para a sua época.
Becaria é ferrenho
opositor da pena de morte e a nossa Constituição Federal somente adotou a pena
de morte em caso excepcional. (XLVII –
não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada,
nos termos do art. 84, XIX;) igualmente ele
aceita a pena de morte apenas em caso excepcional , equivalente ao
sistema adotado no Brasil.
Quanto ao banimento ao confisco e a penas cruéis, as quais Becaria
condena e eram largamente usadas, a Constituição Federal no inciso XLVII, menciona claramente que não
haverá penas de morte, de caráter perpetuo, de trabalhos forçados , de
banimento e
Hermes A. Vitali
penas cruéis. Ainda
nesse sentido nossa Constituição Federal determina no inciso XLIX: é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
No tocante as
abomináveis acusações secretas que
existiam na época, e que Becaria condena, vários dispositivos constitucionais
as proíbem ou restringem , como no inciso LX do artigo 5o.
Becaria comenta
a importância do julgamento ‘por seus
iguais’, e a nossa Constituição Federal
prevê a instituição do júri (inciso
XXXVIII) e assegura: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos
veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
Não se pode
deixar de mencionar o critério de vital importância, verdadeiro principio
constitucional, previsto no inciso XXXIX.
‘não há crime sem lei anterior que
o defina, nem pena sem previa cominação
legal;’
Becaria não
menciona tal preceito, mas a partir das idéias humanistas do Marques, este
princípio se consolidou, em oposição a ditaduras e tiranias.
Em várias
passagens Becaria, mostra a importância da individualização da pena e tal
principio hoje vem previsto no caput do
inciso XLVI. Bem como no inciso
XLV (XLV - nenhuma pena passará da pessoa
do condenado,...).
Inúmeras e
diferentes comparações podem ser feitas mostrando a enorme evolução que vem
ocorrendo no campo dos direitos humanos, com relação ao indiciado, ao preso, ao
individuo que esta sujeito ao cumprimento da pena.
Esses breves
comentários, tem a intenção de mostrar a importância da obra Dos
Delitos e das Penas como um marco para toda a humanidade e o quanto ela e
ainda atual e deve ser apreciada.
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