sexta-feira, 22 de junho de 2012

BREVE COMENTÁRIO AO LIVRO “DOS DELITOS E DAS PENAS”


Hermes A. Vitali







BREVE COMENTÁRIO AO LIVRO “DOS DELITOS E DAS PENAS”





                      Inicialmente é importante dizer que César Becaria sofreu diretamente a influência dos Enciclopedistas (Voltaire, Rosseau e Montesquieu).  Na época de Cesaré Bonesana, a idéia geral é de que as penas constituíam uma vingança coletiva, bem diferente do momento atual onde a pena visa a ressocialização do condenado, e a pena de prisão tem como objetivo segregar o preso perigoso. Abrindo possibilidade de que os presos que foram condenados por crimes de pouca periculosidade não sofram  o encarceramento, mas, penas de prestação de serviços a sociedade, penas restritivas de direito e penas pecuniárias.   Portanto, há um grande abismo no pensamento do século XVIII em  relação a visão atual. 



                      O  Marques de Becaria se atem a idéia de contrato social, afirma ele quando comenta a respeito da origem do direito de punir:



  “A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir”



                       Assim cada individuo sente melhor proteção e amparado ao viver em sociedade, abre mão de uma parte da sua liberdade, a favor da coletividade. Como conseqüência  “...apenas as leis podem indicar as penas de cada delito e que o direito de estabelecer leis penais não pode ser senão da pessoa do legislador,...”   Como se pode perceber recorre Becaria as idéias de Montesquieu da repartição de poderes   o que resulta no nosso atualíssimo princípio da legalidade.   Ele descreve o sistema de repartição de poderes (legislativo, executivo e judiciário) ao mencionar o mecanismo das leis e sua aplicação, as funções do magistrado, do legislador e do soberano.



                        No Capitulo IV  “Da interpretação das leis”, merece destaque a formulação metodológica de interpretação das leis, dentro dos parâmetros do pensamento Aristotélico, isto é,  o silogismo maior e a lei , o silogismo menor é o fato praticado pelo agente, a conseqüência é a liberdade ou a prisão.



                        No Capitulo VI “Da prisão”, Becaria comenta  a forma como é determinada a prisão pelo magistrado e propõe critérios objetivos, evitando a discricionariedade, isto é a mera suspeita ou antipatia do magistrado.     Curiosamente, no capitulo seguinte seguindo por esse pensamento ele propõe um sistema de provas, e ensina:

  

          “Quando, porém, as provas independem umas das outras, isto é, quando cada indício pode ser provado  separadamente , quanto mais numerosos eles forem , tanto mais provável será o delito, pois a falsidade de uma prova em nada influi sobre a certeza das restantes”



               Também ensina ele, algo que ainda hoje é muito atual a necessidade de leis claras e de acesso ao povo, assim diz: “Sendo as leis exatas  e claras, o dever do juiz fica limitado à constatação do fato”



                    Outro preceito de Becaria é o julgamento “por seus iguais” ; também  prevê a recusa das pessoas que irão  integrar os jurados ,pelos  patronos das partes (hoje adotado no tribunal do júri).



                    Quanto as testemunhas ela mostra a importância do juiz e dos jurados                ( no caso de tribunal do júri)  “sentirem”   o depoimento, avaliarem através dos gestos, olhar, expressão e tom de voz, se há verdade ou mentira no depoimento.



                     No Capítulo IX “Das acusações secretas”, e espantoso que na história da humanidade, algum povo, tenha aceitado  que as acusações formuladas  sejam secretas, há  uma agressão inerente a tal ato.



                     Becaria formula preceitos de ordem processual penal ao falar a respeito de acusações, interrogatórios, juramentos, depoimento de testemunhas; até chega a comentar a mais repulsiva forma de “extrair a verdade ” que o homem conhece, ou seja, a tortura.   E demonstra a sua total inutilidade, quando mostra que o sujeito culpado, mas, robusto pode se sair muito bem de uma sessão de tortura ao passo que o inocente franzino cederá facilmente e   “confessara”  qualquer coisa para se ver livre da dor e do sofrimento .

                    



                      O ilustre Marques também menciona a necessidade de “moderação das penas”  e conseqüentemente pode-se vislumbrar aqui  o importante conceito de dosimetria da pena.



                       Condena  a pena de morte e mais do que isso, mostra a sua total inutilidade, não gerando nenhum efeito preventivo com relação aos delinqüentes em potencial.





                        Apóia o banimento, e condena  o confisco, assim prelecionando:



        “O costume das confiscações coloca, sem cessar, a prêmio a cabeça  do desventurado sem defesa e faz com que o inocente sofra os castigos que estão destinados aos culpados.  Ainda pio , as confiscações podem tornar o homem de bem um criminoso, pois o arrastam ao crime , por reduzi-lo a indigência e ao desespero”





                       Não deixa de mencionar, a necessidade da publicidade e da presteza das penas.  Nos dias de hoje vemos os jornalistas e outros comentadores reclamarem da “certeza da punição”, como algo muito mais eficaz que a criação de penas longas, no combate e prevenção a criminalidade.   Assim ele se expressa, a respeita do tema:



   “O réu não deve ficar encarcerado senão na medida em que se considere necessário para o impedir de escapar-se ou de esconder as provas do crime”

Hermes A. Vitali





    “Os efeitos  do castigo que acompanha o crime precisam , em geral, ser impressionantes e sensíveis para aqueles que o testemunharam;..”



     “É, portanto, da maior importância castigar rapidamente um delito cometido, se desejar que, no espírito inculto do populacho, a pintura atraente das vantagens de uma atitude  criminosa  desperte  de pronto a idéia de um castigo inevitável”



      “O rigor do suplício não é que previne os delitos com maior segurança, porém a certeza da punição, o zelo vigilante do juiz e essa severidade inalterável que somente é uma virtude no magistrado quando as leis são suaves.”



                  É assombroso, lermos tais palavras e verificarmos a sua atualidade.      Parece que foram publicadas no jornal do dia, ou foram extraídas da internet.  



         Becaria quando advoga a idéia de asilo, vai diametralmente contra as novas idéias do Tribunal Penal Internacional, pois entende ele que as punições e julgamentos devem ser restritos ao limite territorial de cada País.



         Condena o costume usado inclusive nos Estado Unidos da América de por a cabeça a prêmio (desconhecido em nosso País), mostra as suas vicissitudes; pois principalmente mostra a debilidade do governo em prender o criminoso e puni-lo.



         Nos capítulos XXIII, XXIV, XXV,  Becaria reforça a idéia de criar penas compatíveis com os crimes cometidos , evitando abusos e exageros, e procurando uma classificação científica  dos delitos.



         Comenta singelamente o crime de lesa – majestade e o mau uso das palavras ou seja, conforme a conveniência do soberano, crimes de natureza leve se transformam em crime de lesa-majestade.         Em seguida, comenta sobre os crimes contra a segurança dos particulares, os quais ele entende  estão entre os grandes crimes, a merecer especial atenção das autoridades.



          Sobre as injúrias, Becaria  fala  a respeito da honra e menciona o quanto tal conceito tão importante para todos  ao mesmo tempo  é impreciso e vago.



           Becaria, não deixa de mencionar a respeito do antigo e desusado costume do duelo, hoje tão distante de nos e  de  natureza  bizarra.



           Fala também do roubo, do contrabando, da falência; ele distingue roubo com violência do roubo sem violência e opina a respeito das penas cabíveis; o contrabando  para ele é um crime real, onde o maior lesado é o soberano; já na falência distingue o falido de boa-fé do falido de má-fé e a necessidade de regras punitivas, a serem aplicadas ao falido de má-fé  pelo bem do comércio.

Hermes A. Vitali





           Não deixa de mencionar os crimes que atentam contra a tranqüilidade pública, a ociosidade e da certo destaque ao temo   “suicídio”    Sobre o suicídio ele diz:

    

       “O suicídio é um crime que parece não poder  estar submetido a qualquer  tipo de pena; pois esse castigo recairia apenas sobre um corpo sem sensibilidade, ou sobre pessoas inocentes ”



                         

                  Comenta a respeito dos crimes relacionados ao casamento e a sexualidade, isto é o adultério, a pederastia e o infanticídio e esclarece a respeito da dificuldade de serem constatados e consequentemente de sofrerem punição.  Interessante observar que o infanticídio que implica a morte de um ser vivo esta colocado no mesmo patamar do adultério e da pederastia.   É o quanto hoje é bizarro punir  a prática do homossexualismo, hoje protegido como opção sexual pela Constituição Federal.



                  De forma até mesmo temerária ele tenta justificar a razão de não discutir os crimes de feitiçaria e heresia  que na Idade Média eram da responsabilidade da Igreja averiguar e punir  (De uma espécie particular de crime).



                   Condena o que ele chama de “Espírito de família” , que nada mais é do que um respeito excessivo ao chefe de família e as suas determinações.



                   Nos capítulos finais, precisamente no capítulo “Do espírito do fisco”  mostra os excessos praticados pelo soberano e os condena.    Nos dias de hoje, basta vermos apenas um aspecto da vida moderna, o transito, o excesso de radares que a impressa chama de indústria da multas.



                   Em outro capítulo, Becaria preocupa-se com a prevenção dos crimes, e assim diz:    “É preferível  prevenir os delitos do que precisar puni-los; e todo legislador sábio deve, antes de mais nada , procurar impedir o mal em vez de repara-lo , pois uma boa legislação não é mais do que a arte de propiciar aos homens a maior soma de bem – estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar , conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência.”   Nesse capítulo, mostra a importância da educação para a prevenção do crime, assim como da  valorização das liberdades democráticas como mais um ponto forte de prevenção.  Demonstra  que um País onde há democracia  e liberdade haverá  um menor  índice de criminalidade.



               Na conclusão da sua obra Becaria  mostra as enormes dificuldades enfrentadas  , procura ali  defender-se das acusações de um frade dominicano que o perseguia.









Hermes A. Vitali



PARALELO COM A ORDEM JURÍDICA VIGENTE NO BRASIL



                                 É possível fazer um paralelo com a ordem jurídica vigente no Brasil, precisamente com a Constituição Federal de 1988.   Quando Becaria fala da necessidade de leis claras e propõe critérios  objetivos para que o magistrado determine a prisão de alguém , lembramos do que dispõe o artigo 93, nos  incisos IX e  X da Constituição Federal  respectivamente :



     ‘todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos , e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse publico o exigir, limitar a presença, em determinados atos , as próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;’



    as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas,....’



                                   Ou seja, todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, com a devida transparência, evitando assim os humores e subjetivismos.





                                  Ele ataca a tortura, como meio de confissão e hoje encontramos na nossa Constituição Federal precisamente no artigo 5o.:



   ‘II I- ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;



    XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;



    LV  I- são inadmissíveis, no processo , as provas obtidas por meios ilícitos;





                       No capítulo VI “Da prisão”  também vamos encontrar comentários  compatíveis com a Constituição Federal atual precisamente o artigo 5o. nos incisos LXI , LXII, LXIII, LXIV LXV LXVI.    O que demonstra como o Marques era extremamente avançado para a sua época. 



                       Becaria é ferrenho opositor da pena de morte e a nossa Constituição Federal somente adotou a pena de morte em caso excepcional. (XLVII – não haverá penas:  a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;) igualmente ele  aceita a pena de morte apenas em caso excepcional , equivalente ao sistema adotado no Brasil.





                         Quanto ao banimento ao confisco e a penas cruéis, as quais Becaria condena e eram largamente usadas, a Constituição Federal  no inciso XLVII, menciona claramente que não haverá penas de morte, de caráter perpetuo, de trabalhos forçados , de banimento e

Hermes A. Vitali



penas cruéis.  Ainda nesse sentido nossa Constituição Federal  determina no inciso XLIX:  é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;



                            No tocante as abomináveis  acusações secretas que existiam na época, e que Becaria condena, vários dispositivos constitucionais as proíbem ou restringem , como no inciso LX do artigo 5o.



                               Becaria comenta a importância do julgamento ‘por seus iguais’, e a nossa Constituição Federal  prevê a instituição do júri (inciso  XXXVIII) e assegura:   a) a plenitude de defesa;  b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;





                               Não se pode deixar de mencionar o critério de vital importância, verdadeiro principio constitucional, previsto no inciso XXXIX.



   ‘não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa  cominação legal;’



                                Becaria não menciona tal preceito, mas a partir das idéias humanistas do Marques, este princípio se consolidou, em oposição a ditaduras e tiranias.



                                Em várias passagens Becaria, mostra a importância da individualização da pena  e  tal principio hoje vem previsto no caput do  inciso XLVI.  Bem como no inciso XLV (XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado,...).   



                                Inúmeras e diferentes comparações podem ser feitas mostrando a enorme evolução que vem ocorrendo no campo dos direitos humanos, com relação ao indiciado, ao preso, ao individuo que esta sujeito ao cumprimento da pena.                           



                                 Esses breves comentários, tem a intenção de mostrar a importância da obra  Dos Delitos e das Penas como um marco para toda a humanidade e o quanto ela e ainda atual e deve ser apreciada.

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