quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Na era CSI, perícia na maior parte do País não tem o mínimo para solucionar crimes

O ESTADO DE S. PAULO - METRÓPOLE - 15.08.2010

Na era CSI, perícia na maior parte do País não tem o mínimo para solucionar crimes


Levantamento feito pelo "Estado" em todo o País constatou que a perícia criminal - salvo raríssimas exceções - é tão precária que beira a indigência. A polícia não tem a parafernália tecnológica da ficção do seriado de TV CSI, nem possui o estritamente necessário. Não há maletas para perícia de local de crime, câmaras frias decentes para conservação de corpos, reagente químico ou laboratório para os exames mais elementares.

Em todo o País, existem apenas 60 Institutos de Criminalística e de Medicina Legal (ICs e IMLs) para examinar causas de mortes e produzir provas criminais. Para atender aos 5.560 municípios, seriam necessárias 360 unidades desse tipo, ou seis vezes mais, uma média de um instituto para cada 15 municípios. Existem pouco mais de 12 mil peritos para atender a todos os Estados nas 32 especialidades de perícia criminal adotadas no País. A correlação recomendada por organismos internacionais é de 1 perito para cada 5 mil habitantes. Para todo o território, seriam necessários 38 mil profissionais, o triplo do quadro atual.

Em alguns Estados, as velhas geladeiras dos IMLs estavam quebradas, produzindo mau cheiro e cenas degradantes. Há locais em que, nos acidentes de trânsito, os corpos das vítimas ficam até dez horas na estrada à espera de remoção. Por falta de câmaras frias, pessoas são sepultadas às pressas, sem autópsia, e só depois exumadas para conclusão de exames que vão detectar se a morte derivou de crime, acidente ou causas naturais.

A reportagem do Estado enviou nas últimas duas semanas às 27 unidades da federação um questionário perguntando se as polícias tinham ao menos os itens essenciais para a realização de perícias criminais: a maleta com kit de varredura de locais de crime (notebook, GPS, trena a laser, máquina fotográfica digital, etc), exame de DNA, exame de balística (com microcomparador), câmaras frias (para preservação de corpos), cromatógrafos gasosos, luz forense, laboratório de fonética, reagente químico e luminol. Sem eles, é impossível produzir prova científica cabal para esclarecimento de crimes.

Na média nacional, a perícia criminal brasileira foi reprovada porque apenas 37% das respostas foram positivas. De um total de 207 itens - 9 para cada um dos 23 Estados que responderam ao questionário -, só 78 foram assinalados "sim". Os 63% restantes responderam "não" (45%) e "parcialmente" (84%). Em muitos casos, parcialmente é quase nada.

Resumo
O Norte e o Nordeste concentram as estruturas mais precárias. O Sul e o Sudeste revelaram os melhores serviços. Os casos mais graves são os de Sergipe, Maranhão, Roraima e Rio Grande do Norte, onde nenhum dos itens básicos pesquisados estavam em funcionamento.

Sem equipamento, Estados têm de dividir exames

Pior do ranking nacional elaborado pelo Estado, a perícia criminal de Sergipe virou uma "sucursal" da Bahia, onde realiza a maior parte dos exames mediante convênio. Muitas dessas análises enfrentam uma arrastada lista de espera, uma vez que a Bahia atende vários outros Estados.

E não se trata de um caso isolado. Sergipe respondeu "não" a todos os quesitos apresentados pela reportagem. No Estado, as poucas câmaras frias existentes são antigas e vivem quebrando. Adquirido em 1990, o microcomparador balístico está inutilizado. A maleta de perícia sergipana não tem notebook nem GPS, a câmera fotográfica é analógica e a trena, manual. Em vez de luz forense multiespectral, a polícia usa nas análises uma precária luz ultravioleta. "Infelizmente, até esta lâmpada está queimada", lamentou o coordenador de perícias do Estado, Adelino Costa Lisboa. Todos os demais itens estão em falta.

Um dos piores Estados do Norte, Roraima não tem laboratório de DNA, nunca teve cromatógrafos gasosos, a luz forense está em falta há dois anos e desde maio de 2010 não há reagentes químicos nem luminol. Os exames são improvisados com material emprestado por outros órgãos ou pela iniciativa privada. Rondônia melhorou de posição e está implementando seu Instituto de DNA Criminal. Enquanto ele não vem, os exames são feitos em Manaus.

Pernambuco, apesar de sua importância regional, ainda não tem exame de DNA e as poucas maletas de perícia que possui não dispõem de notebook digital. O Piauí não tem laboratório de DNA nem câmaras frias no IML, cromatógrafos ou luz forense. Mas é generoso para compartilhar o raro microcomparador balístico com Estados ainda mais desfalcados, como Maranhão e Ceará.

Santa Catarina, que já foi o pior Estado do Sul, deu um salto desde 2005 com a criação do Instituto Geral de Perícias. Mas ainda não tem luz forense e precisa de reforços em alguns itens.

Câmaras frias. O Rio Grande do Norte vive uma situação ambígua: tem laboratório de DNA, mas faltam técnicos para operá-lo. A câmara fria tem mais de 30 anos de uso e dá pane frequente, ocasião em que líquidos escorrem dos corpos de defuntos.

Outro Estado sucateado, o Maranhão precisa resolver o crônico problema da conservação de corpos, feita em velhas geladeiras comuns. Já em Alagoas não há cromatógrafos nem luz forense e as geladeiras do IML vivem dando problema.

Minas Gerais, apesar da expressão geográfica e econômica, também registra deficiências: não tem notebooks nas maletas nem câmaras frias. No laboratório de DNA existem apenas freezers para custódia de amostras.

?Vannildo Mendes

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