quarta-feira, 12 de setembro de 2012

AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS AJUIZADA POR ... DELEGADO DE POLÍCIA, EM FACE DE ..., PROMOTOR DE JUSTIÇÃ.



Autos n° 136/12



VISTOS. Trata-se de ação indenizatória por danos morais ajuizada por ..............., Delegado de Polícia, em face de .............., Promotor de Justiça.

Relatório dispensado, com fulcro no artigo 38 da Lei n.º 9.099/95.

Fundamento.

Passo ao imediato julgamento do feito, uma vez absolutamente desnecessária a produção de prova em audiência, nos termos do artigo 330, I, do CPC, pois os fatos já estão devidamente provados pelos documentos juntados aos autos.

Ademais, por se tratar de suposta violação a direito da personalidade (dano in re ipsa), desnecessária a dilação probatória. O pedido é procedente.

De início, saliento que a parte requerida regularizou sua representação processual (fls. 459/461), motivo pelo qual não há caracterização de revelia. No mais, em que pese o brilhante currículo da parte requerida, consoante fls. 42/43 ("DOS MEUS ANTECEDENTES"), absolutamente impertinente para o deslinde da causa as considerações ali traçadas, pois não associadas aos fatos ora analisados.

Lado outro, verifico que a pretensão aqui apresentada está vinculada a fatos praticados pela parte requerida e que, supostamente, teriam acarretado ofensas ao direito da personalidade da parte autora. Tendo em vista os cargos desempenhados pelas partes, resta evidente que elas mantêm relação profissional por meio da qual estabelecem diálogos em autos (inicialmente de inquérito e, se o caso, posteriormente judiciais).

Certo também que, uma vez não satisfeito com o rumo tomado na direção dos autos, diligências podem ser requisitadas e, eventualmente, críticas podem ser feitas, desde que com o escopo de melhorar a atuação dos agentes relacionados nos autos. O que não se pode permitir, sob nenhum pretexto, é que no diálogo estabelecido em quaisquer autos as partes deliberadamente se ofendam, pautando o relacionamento com a falta de respeito.

Infelizmente, esta é a hipótese dos autos. Consoante documentos de fls. 12/21 e aqueles juntados pela parte requerida (fls. 81/440), constato que as palavras dirigida à parte autora desbordaram do espírito crítico e visaram a ofendê-la em sua personalidade. De fato, se o nobre Promotor de Justiça constatou eventual atuação ineficiente e reiterada do Delegado, que buscasse pelas vias legais a solução do problema (o que parece ter ocorrido, como demonstram os documentos de fls. 99/145, bem como as notícias de instauração de procedimento junto à corregedoria e ajuizamento de ação civil pública – fls. 12/13).

Contudo, a realização de providências não enseja a obtenção de alvará para a prática de ofensas. Com efeito, pelos documentos juntados às fls. 12/20, percebe-se que a Douta

parte requerida extrapolou os limites da crítica. Ao comunicar ao Poder Judiciário a atuação ineficiente da parte autora, a parte requerida assim se expressou: "É o caso de questionarmos se ele merece o título de Doutor." (fls. 12). Às fls. 13, a parte requerida reitera a manifestação que ultrapassa os limites da mera crítica ("Atualmente, entendemos que ele não merece o título de Doutor."). Se é certo que o título de Doutor deve ser destinado somente àquelas pessoas que concluíram e foram aprovadas em Doutorado, não menos correto é o costume de que todos os atores que atuam perante o Poder Judiciário atribuírem a si respectivo título. Saliente-se que tal forma de tratamento (sentido lato) entre os profissionais do Direito possui embasamento legal e histórico. Com a criação dos cursos jurídicos no Brasil ainda na época imperial, tendo em vista a que pouquíssimas pessoas frequentavam cursos superiores, aquelas que se graduavam em Direito recebiam o título de Doutor, consoante se interpretou a Lei que criou os cursos jurídicos nacionais (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_63/Lei_1827.htm).

Mais que um título, no âmbito jurídico, a palavra Doutor passou a ser sinônimo de respeito e a maneira pela qual os profissionais da área jurídica mutuamente se tratam. A parte requerida ao questionar se parte autora merece o título de Doutor quis deliberadamente ofendê-la por suposta ineficiência na condução das investigações e diligências em inquéritos policiais. E a ofensa deve ser punida. Não se olvida que à parte requerida fosse facultada a crítica quanto à atuação de algum agente que não estaria atuando a contento. Contudo, a própria crítica encontra limites, sob pena de o crítico ultrapassar o objetivo inicial e, por consequência, ofender o criticado. Na hipótese dos autos, a parte requerida não cingiu sua atuação ao exercício regular de um direito. Rui Stoco (in Tratado de Responsabilidade Civil - Doutrina e Jurisprudência, 7ª edição, Editora RT, p. 805), citando Eugene Gaudemet (Théorie Générale des Obligations, p. 318), ensina que tal doutrinador colocou bem o abuso do direito "ao sustentar que os direitos existem em razão de uma certa finalidade social e devem ser exercidos na conformidade desse objetivo. Todo direito se faz acompanhar de um dever, que é o de se exercer perseguindo a harmonia das atividades. A contravenção a este dever constitui abuso de direito.". Silvio Rodrigues (in Direito Civil, São Paulo, Saraiva, 1975, p.49) ensina que "o abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a finalidade social do direito subjetivo, e, ao utilizá-lo desconsideradamente, causa dano a outrem. Aquele que exorbita no exercício de seu direito, causando prejuízo a outrem, pratica ato ilícito, ficando obrigado a reparar. Ele não viola os limites objetivos da lei, mas, embora os obedeça, desvia-se dos fins sociais a que esta se destina, do espírito que a norteia". O Código Civil de 2002, adotando teoria objetiva finalista, previu, em seu artigo 187, que "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

Para que exista a responsabilidade pelo abuso do direito, deve se observar a desproporção entre o interesse perseguido por um dos envolvidos e aquele sacrificado

do outro, sob pena de se sacrificar uma liberdade. No caso ora posto em análise, estamos diante do confronto entre o direito de crítica e o direito à honra. Não se nega a existência e importância do direito de crítica. Contudo, as críticas e o próprio direito de ação não podem extrapolar o que se considera como seu regular exercício e respeitada, também, sua função social. Qualquer direito constitucionalmente previsto pode entrar em conflito com outro da mesma espécie. Nesses casos, utiliza-se a técnica da ponderação de interesses, que deve ser efetivada à luz das circunstâncias concretas do caso, impondo restrições recíprocas aos bens jurídicos em questionamento, de forma que sejam suficientes tão somente à proteção do outro direito em jogo. Dissecando a técnica da ponderação de interesses, discorreu Daniel Sarmento (A Ponderação de Interesses na Constituição Federal, Lumen Juris, 1ª edição, página 97): "Tal método caracteriza-se pela sua preocupação com a análise do caso concreto em que eclodiu o conflito, pois as variáveis fáticas presentes no problema enfrentado afiguram-se determinantes para a atribuição do 'peso' específico a cada princípio em confronto, sendo, por conseqüência, essenciais à definição do resultado da ponderação." É certo, como já se disse, a crítica. Porém, não se pode tolerar o exercício indiscriminado e alheio à sua finalidade, sob pena de vulneração das próprias instituições. Aquele que exerce a crítica, portanto, embora tenha a liberdade de relatar os fatos e qualificá-los, deve agir com parcimônia, com objetividade e responsabilidade. Carlos Roberto Gonçalves (in Responsabilidade Civil, 12ª Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2010, p. 89) ao tratar do tema abuso do direito concluiu que "dentre várias fórmulas mencionadas pelos autores, observa-se que a jurisprudência, em regra, considera como abuso de direito o ato que constitui o exercício egoístico, anormal do direito, sem motivos legítimos, com excessos intencionais ou involuntários, dolosos ou culposos, nocivos a outrem, contrários ao destino econômico e social do direito em geral, e, por isso, reprovado pela consciência pública.".

Na presente hipótese, a parte requerida, extrapolando os limites da crítica contra a forma de atuar da parte autora, de maneira intencional, apresentou comentário desrespeitoso e ofensivo à honra, buscando humilhá-la e desqualificá-la. Convém ressaltar que a parte requerida é Promotora de Justiça, de modo que não seria possível escusar-se por eventual ignorância acerca dos limites do referido exercício. Desse modo, há que se reconhecer a responsabilidade da parte requerida pelos danos causados à parte autora. A parte autora experimentou abalo em sua honra profissional, principalmente em razão da afirmação de que não mereceria o título de doutor. Tem-se, então, que a parte autora foi exposta perante a sociedade e seus pares, sob a crítica de não ser merecedora do título de doutor, causadora de constrangimento e angústia. A conduta do réu, portanto, causou ao requerente dano moral consistente em "dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar" (SÉRGIO CAVALIERI apud CARLOS ROBERTO GONÇALVES, Responsabilidade Civil, 7ª edição, SP, Saraiva, 2002, pág. 549/50), motivo pelo qual a procedência da pretensão é medida de rigor. Nesse sentido: 2 - 0006500-66.2006.8.26.0101 Apelação Relator(a): Paulo Eduardo Razuk Comarca: Caçapava Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito

Privado Data do julgamento: 22/05/2012 Data de registro: 24/05/2012 Outros números: 65006620068260101 Ementa: DANO MORAL ? Responsabilidade civil ? Difamação - Palavras e expressões difamatórias propaladas em programa de televisão, criticando a atuação funcional do autor como Promotor de Justiça na cidade de Caçapava, atribuindo-lhe o condão de incompetente e ímprobo ? Verificado o dolo de ofender ? Abuso configurado ? Dano moral caracterizado ? Responsabilidade solidária do veículo de divulgação da entrevista ? Indenização fixada em R$ 30.000,00 razoável e consentânea com o dano produzido ? Ação ordinária de indenização por dano moral procedente ? Recursos improvidos. Nem se alegue ser necessária a demonstração do dano para que se possa acolher o pedido. Com efeito, tendo em vista que a ofensa atingiu os direitos da personalidade da parte autora (sua honra), caracterizado está o dano in re ipsa, o qual é presumido e dispensa prova, uma vez que atinge o ofendido em seu âmago.

Por outro lado, a indenização pleiteada pela parte autora é excessiva. Nas ações de indenização por dano moral, cabe ao juiz avaliar e sopesar a dor do lesado, a fim de lhe propiciar a mais adequada e justa compensação material. Ao fixar o valor da reparação, entretanto, deve se atentar para que referido valor não seja tão alto, a ponto de tornar-se instrumento de vingança ou enriquecimento sem causa do prejudicado, nem tão baixo de maneira a se mostrar indiferente à capacidade de pagamento do ofensor. O valor da condenação tem efeito reparatório ou compensatório (reparar ou compensar a dor sofrida pela vítima) e também efeito punitivo ou repressivo (para que o réu não cometa outros fatos desta natureza), bem como educativo. Nesse sentido: "DANO MORAL - Indenização - Critério para fixação. O valor arbitrado a título de dano moral deve guardar perfeita correspondência com a gravidade objetiva do fato e de seu efeito lesivo, bem como com as condições sociais e econômicas da vítima e do autor da ofensa, em tal medida que, por um lado, não signifique enriquecimento do ofendido e, por outro, produza no causador do mal impacto bastante para dissuadi-lo de nova prática ilícita. (1ºTACivSP - Ap. nº 451.022/92-3 - Poá - Rel. Jacobina Rabello - 7ª Câm. - J. 04.02.92 - v.u)." MF 2002/44 - JTA Boletim 7

Tendo como parâmetro a extensão do dano, a conduta da parte requerida ao praticá-lo e as condições econômicas das partes, considerando-se ainda as funções reparatória, punitiva e educativa do instituto, entendo razoável a sua fixação no montante de R$ 7.000,00, haja vista o caso concreto, em que se demonstrou o desrespeito da parte requerida com relação à parte autora.

Decido.

Perante todo o exposto, julgo o pedido PROCEDENTE para CONDENAR a parte requerida a pagar indenização por danos morais à parte autora, no importe de R$ 7.000,00 (sete mil reais), sendo este valor corrigido monetariamente a partir desta data até o efetivo pagamento, segundo tabela prática do TJSP, acrescida de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação. Deixo de carrear as verbas da sucumbência em razão do disposto no artigo 55 da Lei n.º 9.099/95. P. R. I. C.

Campos do Jordão, 10 de setembro de 2012.

EVARISTO SOUZA DA SILVA

Juiz Substituto

Nenhum comentário:

Postar um comentário