domingo, 26 de dezembro de 2010

TJSP: VIAGENS DE MENORES - CRUZEIRO MARÍTIMOS - AUTORIZAÇÃO PARA VIAGEM NACIONAL - CRIANÇA

Coordenadoria da Infância e da Juventude


Coordenadoria da Infância e da Juventude

PROTOCOLO CIJ Nº 145944/10 – CRUZEIROS MARÍTIMOS –

AUTORIZAÇÃO PARA VIAGEM NACIONAL – CRIANÇA ACOMPANHADA

DE UM DOS PAIS, OU ADOLESCENTE – DESNECESSIDADE – FIEL

OBSERVÂNCIA DAS DISPOSIÇÕES DO ECA – SUFICIÊNCIA.

Incumbiu-nos Vossa Excelência a elaboração de parecer acerca do tema, que

trouxe séria preocupação a essa Coordenadoria e, em especial, aos Juízes da

Infância e da Juventude.

Trata-se de questão de relevância, especialmente pelo início da temporada de

cruzeiros marítimos e dos transtornos que poderão advir às crianças e

adolescentes, caso persista a exigência feita por determinada empresa de

navegação civil, no sentido de exigir, no rol dos documentos especificados, a

autorização de um dos pais quando a criança ou adolescente viajar somente na

companhia do outro e, a agravar, está a se exigir a autorização também para

adolescente, mesmo se tratando de viagem dentro do território nacional.

No caso concreto que chegou ao nosso conhecimento, a companhia de

navegação exige autorização paterna para uma adolescente viajar somente na

companhia da genitora, em cruzeiro com saída do Porto de Santos e destino a

Ilhabela, Búzios, Ilhabela e retorno a Santos, com duração de quatro dias.

Ab initio, mister consignar que na hipótese de cruzeiros destinados a outros

países, caracterizando viagem internacional, de se cumprir a Resolução n.

74, de 28 de abril de 2009, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

No tocante às viagens nacionais, a exigência da companhia é absolutamente

ilegal e esbarra em conduta típica, esta a ser mais bem investigada, em sede

policial.

Isso porque a Lei n. 8069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), em

seu art. 83, regulamenta a viagem nacional, deixando claro, em primeiro lugar,

ser inexigível qualquer autorização a adolescente, assim definido como a

pessoa com doze anos completos e dezoito anos de idade incompletos (ECA,

art. 2º), vale dizer, dentro do território nacional, o adolescente pode viajar para

qualquer lugar e por qualquer meio de transporte, independentemente de

qualquer autorização, de modo que assente a ilegalidade da exigência feita

pela companhia de navegação civil.

Absurdo e ilegal, para se dizer o mínimo, exigir-se autorização de um dos pais,

quando, na companhia do outro, o filho

menor viajar, máxime em se tratando de adolescente.

Nesse diapasão, no respeitante a adolescente, em sendo a viagem dentro do

território nacional, nem a companhia dos pais ou responsável pode ser exigida

e, como corolário, não há de se falar em autorização destes ou judicial.

Em suma, dentro do território nacional, a lei autoriza o adolescente a viajar

sozinho. Tangentemente à criança (pessoa com até doze anos incompletos),

basta que esteja acompanhada de um dos pais, independentemente da

autorização do outro, ou do responsável legal, de maneira que, nessas

condições, igualmente, não há de se excogitar de autorização dos pais ou

judicial.

E mais, na conformidade da lei, viajando a criança na companhia de

ascendente ou colateral maior, até o 3º (terceiro) grau, comprovado

documentalmente, ou de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai,

mãe ou responsável, ex vi do art. 83, § 1º, alínea “b”, ns. 1 e 2, do ECA,

dispensável qualquer outra exigência para a viagem.

Note-se, para afastar átimo de dúvida, que a criança pode viajar até mesmo

com pessoa maior, não-parente, desde que o pai ou a mãe, bem assim o

responsável legal (entenda-se o guardião nomeado judicialmente ou o tutor)

expressamente (por escrito) autorize. É o quanto basta, por força de lei. Nada

mais!

Com efeito, nas situações supra mencionadas, toda e qualquer autorização de

viagem exigida deve ser reputada ilegal e, a persistir a exigência, em tese,

caracterizado o crime de constrangimento ilegal, na forma do art. 146 do

Código Penal.

Argumenta-se, de outra sorte, que o contrato de transporte marítimo tem

natureza híbrida, porquanto abarca o transporte e a hospedagem.

E, de fato, assim o é, todavia não se pode exigir nenhuma autorização, por

força do disposto em lei.

Explica-se. O ECA, ao regulamentar a prevenção especial de proteção à

violação de direitos e garantias da criança ou

adolescente (Título III, Capítulo II, Seção II), assim especifica, no tocante à

temática em comento:

Art. 82. É proibida a hospedagem de criança ou adolescente em hotel, motel,

pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado ou acompanhado

pelos pais ou responsável.

No dizer da lei, com autorização dos pais – expressamente, é claro – a criança

ou adolescente pode se hospedar desacompanhado.

O ponto relativo à hospedagem acompanhado dos pais ou responsável

reclama singela interpretação.

Quanto ao responsável (repete-se, guardião judicial ou tutor) a lei é clara,

dispensando outros comentários.

No particular aos pais, a despeito de a lei aparentar exigir a presença ou a

autorização de ambos, a vontade do legislador, a toda evidência, foi outra, no

sentido de vedar a hospedagem sem a companhia ou a autorização do pai ou

da mãe, máxime porque o poder familiar é exercido em igualdade de condições

pelo pai e pela mãe; dí-lo o art. 21 do ECA.

Nesse sentir, estando a criança ou adolescente autorizado por ou na

companhia de um dos detentores do poder familiar, não há empeço para a

hospedagem.

A lei parte da boa e saudável presunção de que os detentores do poder familiar

sempre agirão na proteção do filho menor (vide, verbi gratia, o art. 1.634 do

Código Civil), razão pela qual não cabe a terceiros estranhos à relação familiar

questionarem a idoneidade dos pais, id est, no que toca à temática vertente,

indevida a interferência de terceiros no exercício do poder familiar, quando a

criança ou adolescente se hospedar na companhia do pai ou da mãe.

Ademais, insta destacar, por relevante, que o escopo do legislador, ao editar a

citada norma, iniludivelmente, foi distinto do aqui comentado.

Sob esse enfoque, objetivou o legislador coibir a prática sexual por criança ou

adolescente e até mesmo a prostituição infantil em estabelecimentos

destinados a hospedagem, e não o controle do poder familiar.

Procura-se evitar, nestes tempos permissivos, a prostituição infanto-juvenil

(ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COMENTADO – Munir

Cury, Coordenador – p. 350 – art. 82 – 10ª ed. – Malheiros), pois a espécie de

hospedagem que se quer evitar é aquela destinada a relacionamento sexual

(COMENTÁRIOS AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE –

Roberto João Elias – p. 99 – art. 82 – 4ª ed. – Saraiva), de modo que há que se

restringir, sem dúvida, a hospedagem de criança ou adolescente em motéis,

locais, esses, destinados a encontro de casais, transformados em verdadeiras

casas de prostituição (COMENTÁRIOS AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE – Wilson Donizeti Liberati – p. 63 – art. 82 – 10ª ed. –

Malheiros).

Destarte, conforme a doutrina, o objeto jurídico tutelado é a proteção da

atividade sexual da criança ou adolescente; logo, a norma não se destina a

limitar o exercício do poder familiar.

Diante do alinhavado, conclui-se que a exigência de autorização dos pais,

conjunta ou individualmente, ou judicial, suprindo o consentimento, para

permitir a viagem dentro do território nacional de criança acompanhada por

um dos pais ou por seu responsável legal, ou adolescente, sob qualquer

prisma, é manifestamente ilegal e, hipoteticamente, caracteriza fato típico.

Em remate, visando a apurar a origem dessa exigência, pesquisando na

internet, observamos que diversas agências de turismo invocam a norma

administrativa “DAC 107- 1002” (na verdade, IAC 107-1002), expedida pelo

Departamento de Aviação Civil do Ministério da Aeronáutica, cuja

inaplicabilidade é assente, já que, por óbvio, não guarda nenhuma pertinência

com transporte marítimo.

Não obstante isso, essa norma administrativa foi expressamente revogada pela

Resolução n. 54, de 04 de setembro de 2008, da Agência Nacional de Aviação

Civil – ANAC, que, de seu turno, foi revogada pela Resolução n. 130, de 08 de

dezembro de 2009, também da ANAC, ainda vigente, conforme resultou das

nossas pesquisas, que bem se adequou à legislação aplicável à espécie, não

se imiscuindo em questões externas à sua órbita de atuação, porquanto se

limita a especificar os procedimentos de identificação nos embarques

(nacionais ou internacionais) de brasileiros e estrangeiros, bem como o

tratamento especial a ser dispensado a criança ou adolescente e ao índio,

conforme, ao que interessa, dispõe seu art. 3º, § 4º, ns. I e II, in verbis: Art. 3º

Constituem documentos de identificação de passageiro de nacionalidade

brasileira:

§ 4º Em se tratando de criança ou adolescente:

I - no caso de viagem em território nacional e se tratando de criança, deve

ser apresentado um dos documentos previstos no caput ou certidão de

nascimento do menor – original ou cópia autenticada – e documento que

comprove a filiação ou parentesco com o responsável, observadas as demais

exigências estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e

pela Vara da Infância e Juventude do local de embarque (grifamos).

Bem de ver que a ANAC, ao regulamentar a viagem em território nacional, por

via aérea, teve o cuidado de recomendar a observância das exigências legais

(ECA) e as eventuais do Juízo da Infância e da Juventude do local do

embarque, em se tratando de criança, não fazendo qualquer menção a

adolescente, por força do art. 83 do ECA (repetindo: dentro do território

nacional, a lei autoriza o adolescente a viajar sozinho, independentemente de

autorização dos pais, responsável ou judicial).

Do exposto, submetemos a Vossa Excelência o presente parecer e, se

aprovado, tomamos a liberdade de sugerir:

1. sua publicação no Diário Oficial da Justiça para conhecimento público e, em

especial, dos Juízos da Infância e da Juventude, com recomendação a estes

para, respeitada a livre convicção, autorizarem as viagens, a fim de não se

causar óbices aos jurisdicionados, mas requisitando a instauração de inquérito

policial, hipoteticamente pela prática do crime capitulado no art. 146 do Código

Penal, bem assim enviando cópias pertinentes a Promotoria de Justiça;

2. expedição de ofício ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ para, nos

moldes da Resolução n. 74/2009, se assim se entender, regulamentar a

questão no âmbito nacional;

3. oficiar ao Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAO da

Infância) do Ministério Público para as providências pertinentes às suas

atribuições legais.

Sub censura.

São Paulo, 15 de dezembro de 2010.

LUIZ CARLOS DITOMMASO

EDUARDO REZENDE MELO

Juízes da Coordenadoria da Infância e da Juventude

DECISÃO: De acordo: Data supra.

(a) Desembargador ANTONIO CARLOS MALHEIROS, COORDENADOR DA

INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE

SÃO PAULO

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